Enredo em que o cólera põe fim a uma "guerra de santos"
O escritor siciliano Giovanni Carmelo Verga, considerado um
dos criadores do Verismo – escola realista surgida na literatura italiana no
fim do século XIX – legou à posteridade pelo menos 13 romances e 31 novelas,
muitos dos quais obras-primas literárias (quer na forma e quer, sobretudo, no
conteúdo) – respeitado não somente na ilha em que nasceu, mas em toda a Itália.
Tanto que, no final da vida, seu prestígio e sua projeção intelectual eram
tamanhos, que chegou a ser nomeado para integrar o Senado italiano. Muita gente,
quando se menciona a Sicília, pensa de imediato na Máfia e nos males que essa
organização criminosa já causou e continua causando, como se fosse a única
coisa que a caracteriza. Não é!!! Claro que isso é fruto da mais ostensiva desinformação.
Em tempos mais remotos, a ilha foi o berço natal de
magníficos filósofos e extraordinários poetas. Ali nasceram, também,
extraordinários escritores, entre os quais dois ganhadores de Prêmio Nobel de
Literatura. A Sicília, além do mais, é a terra natal, por exemplo, de Vitaliano
Brancati, Salvatore Quasimodo, Luigi Capuana, Luigi Pirandello, Leonardo
Sciascia, Gesualdo Bufalino, Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Andrea Camilleri
e... óbvio, de Giovanni Verga. Como se vê, a ilha foi berço de escritores
geniais em quantidade maior do que muitos países com grande tradição literária.
Quem conhece, mesmo que superficialmente, a Literatura italiana, sabe da
importância desses autores que citei.
Alguns livros de Giovanni Verga são tidos e havidos pelos
mais renomados críticos literários da Europa como obras-primas. Estão neste
caso, apenas para citar alguns, os romances “I Malavoglia” e “Mastro Dom
Gesualdo” e a coletânea de oito histórias curtas reunidas no volume “A vida nos
campos”, que tenho em mãos, em sua versão em espanhol. Dos oito contos deste
livro, um interessa-me em particular, embora os outros sete sejam todos
deliciosos, carregados de verdade e de humor. É o intitulado “Guerra de santos”,
em que Verga cita uma epidemia de cólera como pano de fundo do enredo. A
história é ambientada em um pequeno povoado da Itália, dos tantos que há por
lá. Nele, os moradores estão divididos em duas facções rivais, inimigas
inconciliáveis.
Um desses bandos é do bairro alto do vilarejo que tem, como
padroeiro, São Roque. E o outro, por conseqüência, é do bairro baixo, que
defende com paixão São Pascual, não admitindo outra devoção tão absoluta. Os
dois grupos, não apenas rivais, mas inimigos jurados, não escolhem ocasiões
para se confrontarem. Basta que se cruzem para se hostilizarem e se agredirem
mutuamente, em conflitos que se repetem com assustadora freqüência. Tudo começa
com um bando exaltando os méritos de seu padroeiro e depreciando o patrono dos
rivais nas periódicas procissões que promovem. Daí para a pancadaria explícita
é questão de mera piscada. Das palavras, passam aos gestos ofensivos e destes
para pancadaria generalizada explícita é coisa de minutos. E lá se vão as
dissoluções de procissões, a poder de socos e de pontapés mútuos. É o fanatismo
religioso (religioso?!) elevado à enésima potência.
Mas Verga “apimenta” ainda mais uma história já por si só “ardida”.
Traz à baila um casal de namorados que não consegue se entender por causa dessa
“guerra dos santos”. Sarrida, a donzela, é adepta de São Roque e Turi, seu
guapo pretendente, de São Pascual. Nenhum dos dois está disposto a abrir mão de
suas convicções e assim o relacionamento não prospera. Fica próximo da ruptura
definitiva. Bem, leitor, adianto que os dois pombinhos acabam se reconciliando,
mas, para isso, foram necessárias duas desgraças juntas que assolaram o
vilarejo: uma severíssima seca e uma não menos perversa epidemia de cólera. As
circunstâncias obrigaram os dois bandos a unirem forças e a rogarem os préstimos
dos respectivos padroeiros, mas juntos, para ampliar a força da intercessão.
Dessa forma, o casalzinho apaixonado se reconcilia e ocorre, enfim, o esperado “happy
end”. E tudo isso é narrado com muita graça e muito humor por um perito no manejo
da palavra.
Boa leitura.
O Editor.
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Perícia sua também ao abrir uma fresta e mostrar quase nada, acendendo a natural curiosidade do leitor, vetada a mim que sou monoglota.
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