sábado, 4 de julho de 2015

Sem sono, sempre; sem sonho, nunca

* Por Anna Lee

            
Nova York, 1h20min da madrugada. Tom Longan está, há algum tempo, rolando na cama sem conseguir dormir. Irritado com a situação, desiste e vai até a sala esperar o sono que não chega nunca. Sapatear é a maneira que Tom encontrou de vencer a insônia que o tem acompanhado vida afora. Mas desta vez não funciona. Tenta alternativas: joga pingue-pongue e anda de bicicleta pela casa. Mas tudo é inútil. Nesta noite, nem mesmo Gene Kelly cantando Singing in the rain é capaz de inspirá-lo e levá-lo ao melhor dos sonos.

Do outro lado da cidade, Laura Kelly também está travando uma batalha com os travesseiros. Para enfrentar a insuportável vigília noturna, corre para a geladeira e devora tudo o que encontra pela frente. Passar roupas é outra opção que Laura usa para vencer a insônia.

Vi essas cenas protagonizadas por Robert Redford e Debra Winger no filme – antiguíssimo – Perigosamente juntos que assisti, claro, durante a minha última insônia, na noite passada.

Não sei sapatear nem jogar pingue-pongue, detesto passar roupa e tenho um pacto comigo mesma de jamais buscar soluções para os problemas na geladeira. Assim, e como também na minha sala não há espaço suficiente para que eu possa andar de bicicleta, não pude experimentar os métodos soníferos de Redford e Debra. Fiquei mesmo sem dormir.

Sim, eu sei que poderia ter tomado um remédio qualquer, porém não era esse o caso. Não nesta noite.

Lembrei-me de ter lido que Manuel Bandeira aproveitava suas insônias para pensar nas mulheres que amou. Então, pensei em alguém, que não chegou a ser um amor, mas que, quando me ouvia queixar da falta de sono, dizia: “Insônia não é caso de médico nem de remédio. É caso de administração. Como a saudade e a poupança, ela precisa ser administrada para render”.

Achava engraçada a relação entre saudade e poupança e só. Nunca fui boa em administrar seja o que for. Nem a falta de alguém, nem meu dinheiro e muito menos a insônia que nunca me rendeu nada a não ser pânicos.

Todos os pânicos costumam surgir durante minhas insônias e é do meu conselheiro aí de cima que também lembro nessas horas: “O sono, como o desejo e o amor, é mais ou menos gratuito, chega sem pedir licença”. Com isso, ele queria me convencer de que qualquer esforço que eu fizesse para dormir seria em vão. Melhor seria usar esse tempo, a princípio, já perdido, para visitar a mim mesma, sem angústias, sem cobranças. Projeto, para mim, impossível de realizar, já que são justamente as angústias e as cobranças incontroláveis que não me deixam dormir.

Ainda assim, digo que pior do que não ter sono é não ter sonho. E sonhos eu tenho de sobra, sem que para isso precise dormir. Sonhar, sonho acordada mesmo.

*Jornalista, mestranda em Literatura Brasileira, autora, com Carlos Heitor Cony, de "O Beijo da Morte"/Objetiva, ganhador do Prêmio Jabuti/2004, entre outros livros. Colunista da Flash, trabalhou na Folha de S. Paulo e nas revistas Quem/Ed.Globo e Manchete.

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