As águas do
Capibaribe
* Por Clóvis Campêlo
Dizem
os historiadores e geólogos que as águas trouxeram a areia e com ela escreveram
o seu próprio caminho. A isso se chama de aluvião. Estamos numa planície
aluvional. Onde antes existia uma baía. A baía de Paranabuco? Um trabalho
longo, paciente e extenuante da Natureza, complementado, séculos depois, pelas
mãos do bicho homem. Assim, essa relação íntima, próxima, construtiva, entre
nós, a cidade e o rio. Um consórcio gigantesco pela própria concepção.
Na
língua tupi dos índios, capibaribe significa o rio das capivaras. Há quem diga
que até bem pouco tempo atrás, elas ainda invadiam os quintais dos bairros de
Casa Forte e da Várzea do Capibaribe. Outros afirmam, que de manhã cedinho, na
Rua da Aurora, era comum se ver os botos dando saltos amostrados e belos.
Infelizmente, não cheguei a alcançar isso.
Mas,
nos anos 60, lembro bem da violência do vinhoto, resíduo pastoso e mal-cheiroso
que sobrava após a fermentação do caldo da cana para a obtenção do etanol. As
usinas eram impiedosas. Toneladas de peixes foram mortos e a vegetação que
havia no mangue, dizimada. Nessa época, quando o vinhoto era derramado sem o
menor escrúpulo ou consciência ecológica, era grande a fedentina no centro do
Recife. O Capibaribe quase morreu.
Porém,
se até o Tâmisa foi libertado da podridão da sua lama, por que não nós? Um
prefeito mais atento replantou a vegetação do mangue e o centro da cidade se
tornou mais verde. As usinas foram proibidas da agressão do vinhoto e os peixes
e crustáceos ribeirinhos foram reabilitados. E, apesar do lixo e dos esgotos
que ainda sujam as suas águas, o Capibaribe tornou-se mais limpo e mais livre.
Hoje, ainda é comum se ver pescadores nas pontes, de linha de pescar ou jereré
nas mãos, em busca do alimento que o rio nunca nos negou. Ou então, as catadoras
de marisco aproveitando a baixa da maré para catar sururu e marisco nas areis
do mangue que se confunde com o rio. É antiga essa relação do homem do Recife
com o seu rio. Vem dos anos do século XVI, quando os primeiros pescadores
desceram as ladeiras de Olinda e se instalaram no areal incipiente para ficar
mais próximos do mar e dos peixes marinhos.
Ali
nascia a cidade, que cresceu de fora para dentro, extrapolando as areias do
mangue, chegando aos engenhos que existiram na periferia do Recife e que terminaram
por determinar os nomes de vários dos nossos bairros.
O
Rio Capibaribe nasce na cidade de Poção, na Serra da Jacarará, a 240
quilômetros do Recife. Antes de desaguar no Oceano Atlântico, banha 42
municípios pernambucanos. Ao entrar na região metropolitana, corta o Recife ao
meio, como uma faca corta uma fruta. A sua visão inspira poetas e torna o
Recife uma cidade belíssima, principalmente quando vista de cima. No centro da
cidade, encontra-se com o Rio Beberibe, que vem de Olinda, e juntos desaguam no
mar.
Não
há como interpretar o Recife e o seu povo sem o entendimento do rio. Ele nos
traduz. Decifra os nossos mais profundos anseios e nos constrói um cenário
ímpar e de extrema plasticidade. Sem ele, não existiríamos.
Recife,
julho 2015
* Poeta, jornalista e radialista,
blogs:
Nenhum comentário:
Postar um comentário