quarta-feira, 1 de abril de 2015

Ypiranga com São João: Sampa


* Por Raimundo Antonio



Essa semana eu ia para a academia na companhia do meu amigo Mário Gérson e sua noiva, quando no rádio do carro começou a tocar a música “Sampa” na voz de Caetano Veloso, música essa em que ele homenageia a terra da garoa e imortaliza duas avenidas da referida capital: São João com Ypiranga. Ri para o amigo e disse: “Mário, eu também imortalizei as duas avenidas”.

Mário riu, me olhou com cara de quem estava tentando adivinhar se eu estava de gozação, franziu o cenho e me perguntou, meio cabreiro: “como?” Sua pergunta seca trazia embutida a necessidade de saber, porém não querer cair em alguma pegadinha, que, provavelmente, ele já dava como certa.
- Bati um fusquinha que eu dirigia, numa Brasília guiada por um japonês, mesmo na confluência das duas avenidas. Na dobra, como se diz.

Apesar do tom de brincadeira, era verdadeiro o acontecido, isso pelos anos setenta. Mas, na verdade, sempre fico nostálgico quando ouço essa melodia, onde o autor não só imortaliza suas esquinas, mas também, destaca suas parcerias que as tornaram famosas.

Morava pertinho, na Rua Maria Antonia, na Bela Vista e sempre estava na São João, ou para assistir a um bom filme em seus vários cinemas espalhados ao longo de seus quarteirões, ou para jantar. Seus restaurantes boêmios ainda traziam sua clientela vestida de paletós, onde o malandro da gafieira se destacava com seu terno de linho, sapatos de duas cores, chapéu panamá na cabeça e o tradicional cordão de ouro pendurado ao pescoço.

Suas meninas também eram famosas e disputavam com as meninas da Avenida Ypiranga, onde havia o prédio conhecido popularmente de sessenta e nove, a clientela diversificada, que ia de profissionais liberais, office boys, nordestinos solteiros, até os homens de terno e gravata.

Mas, o que eu gostava mesmo era de andar na Praça da Avenida Ypiranga. Lá, existiam em suas calçadas os artistas desenhistas com seus cavaletes que mediante um pagamento mínimo, retratavam seu rosto e imortalizavam aquele momento. Era o aqui e o agora sendo praticado de forma anônima, sem ser caracterizado de belo ou de arte.

E quando a noite chegava aquilo tudo se transformava. As casas de espetáculos abriam suas portas e convidavam os transeuntes, que por ali desfilavam, a todo tipo de show, que ia desde as gafieiras, passando por strip-tease e culminando com as rodas de samba, onde a malandrice dava a nota e varava a noite em acordes que viam o sol raiar em tom maior.

Participei algumas vezes de suas noites e de seus casarões coloniais e experimentei o gosto de me fazer narciso entre os belos das duas avenidas, embora soubesse da ilusão de estar apenas alimentando de saudade um coração ainda imaturo para se dar.

Porém, de todas as lembranças que guardo das duas avenidas, uma sempre me vem à memória toda vez que escuto o canto do bem-te-vi e seu gorjeio matinal: Ivanilson, conterrâneo meu, apelido “Bem-te-vi”, por coincidências do destino, passava na Avenida Ypiranga numa tarde de segunda e eu o conheci de longe.

Estava magro, sujo e suas roupas denotavam o uso com que eram postas. Dei-lhe um abraço, vi-o chorar copiosamente num misto de alegria, salvação e surpresa, e aproveitei para dar-lhe, também, o que ele precisava naquele momento, e fiz o que qualquer um teria feito na ocasião: devolvi-lhe a dignidade de cidadão, conseguindo-lhe trabalho e moradia.

Ah! Sobre a batida? Bem, o danado do japonês tinha comprado a dita Brasília naquela semana e já tinha batido duas vezes. Precisa dizer quem estava errado?


* Cronista



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