sexta-feira, 27 de março de 2015

Woodstock sem música


* Por Fernando Yanmar Narciso


Confesso a meus estimados leitores, com orgulhosa vergonha, que nunca me interessei em ver o filme Titanic, nem na época de seu lançamento nos idos de 1997 nem agora, catorze anos depois. Mas vocês se lembram do lançamento daquele filme? No Shopping Center da minha cidade, na época, quase microscópico, as filas serpenteavam e se encaracolavam ao redor e entre as mesas da praça de alimentação.

As primeiras sessões começavam assim que o shopping abria e algumas pessoas até madrugavam em pé em filas ao redor do mundo, num esforço rocambolesco só pra ver uma miniatura de navio afundar na piscina do diretor James Cameron e Leonardo Di Caprio morrer congelado no mar. Houve quem pagou mais de dez ingressos pra ver o filme de novo.

O consenso geral era que Titanic era “O” filme a ser visto, um momento de comoção global até então sem precedentes. Eis um filme que se você não assistisse sua vida deixaria de fazer sentido!Tal comoção só viria a se repetir anos mais tarde com Avatar, também de Cameron. Estes são o que se convencionou chamar de revival do filme-evento.  O país viu a renascença de algo semelhante ao filme-evento domingo retrasado, dia 15 de março.

Até um cego pode ver que a situação do país é complicada. Desde que ganhou as eleições, nossa Excelentíssima “coronela” Dilma Rousseff encontra-se acuada, figurativamente encastelada no congresso. A oposição, derrotada nas urnas, simplesmente não engoliu a quarta derrota consecutiva e decidiu mudar de estilo, agora se opondo ao governo como se fosse um moleque birrento, esperneando pra mãe deixá-lo comer a sobremesa antes do almoço.

Somados a isso, vinham a operação Lava-Jato, a desmoralização da Petrobras e o período de fartura e bonança econômica, que aparentemente atingiu seu crepúsculo depois de doze anos. Dilma acordou no pior dos mundos em 2015. Vendo tudo isso acontecer, a imprensa inimiga do governo desde 2002, assim como nos tempos do mensalão, resolveu dar o bote: Desde a cerimônia de posse da presidente não desmontou do lombo do governo e tampouco do povo, tentando nos fazer crer que o caos reina em absoluto no país.

Só pra começar, influenciaram o povo a eleger a leva de deputados e senadores mais conservadora e retrógrada desde a “Revolução” de 64. E como se fosse pouco sentir o bafo sulfúrico de Renan Calheiros na nuca toda semana, agora Dilma também tem que engolir o “impoluto e honestíssimo” presidente da Câmara, Cunhão Arrasa-Quarteirão.

Ambos venceram a eleição de lavada e estão aparentemente decididos a fazer com a presidente o que a seleção portuguesa fez com Pelé na copa de 1966. Os dois formam a dupla Darth Vader e Palpatine de Brasília. Esse clima pesado no país precisava de algo, um magnum opus avassalador e inesquecível para ser contado nos livros de história pelos anos a seguir, e a resposta veio no dia 15 de março.

Por semanas a fio a mídia tradicional vinha martelando na cabeça da população essa ideia de promover um mutirão, uma imensa manifestação em todos os estados, contra “a corrupção, o governo, Dilma, PT e tudo isso que está aí”, nos moldes das históricas Jornadas de junho de 2013, quando boa parte da população foi influenciada a sair de casa e imitar Gene Kelly no teto do congresso.

Chegaram ao cúmulo de anunciar a grande festa revolucionária nos rodapés da Folha de São Paulo. Para garantir que não haveria incidentes com vândalos e Black Blocs como em 2013, campanhas em redes sociais incentivavam os rebeldes de classe média-alta a levar as crianças e os avós para a manifestação, afinal se tratava de “um movimento cívico, em prol da moralização da política do país”.

Atores globais chegaram a gravar vídeos incentivando seu público zumbificado a sair pra rua usando a camisa da CBF e dar seu grito de liberdade. Mais oportunista impossível. A princípio poucos de nós levamos essa presepada a sério de manifestação convocada pela grande mídia, afinal estamos no Brasil, terra do fogo de palha. Mas quem em sã consciência podia imaginar ver uma multidão daquela na Avenida Paulista?

Nem nos tempos das Diretas Já eu tinha visto tanta gente unida por um único propósito. A PM paulista contabilizou o número aproximado de 1 milhão de desocupados, número alardeado aos quatro ventos pelos colunistas da Globo News, que narravam o mar amarelo na avenida como se estivessem no sambódromo. O DataFolha, mais contido, trabalhou com o “modesto” número de 270.000 pessoas, alcançado ao comparar as estatísticas do atendimento da última Parada Gay.

Seja o número que for não dá pra negar que foi um evento estarrecedor! Como nos tempos do Titanic, jovens e velhos sentiam que se não comparecessem àquilo não estariam ajudando a “salvar a nação”, suas vidas não fariam mais sentido se perdessem essa chance. Mas, no final da maratona, o efeito foi o esperado pela grande mídia e pela oposição? Bem, digamos que o Titanic desviou por um pescoço do iceberg...

Apesar de a Globo News ter dado toda a atenção que pôde ao grupo que exigia o impeachment da “coronela”, pesquisas mostraram que estes representavam uma minoria dos manifestantes, tão pequena quanto a porção que pedia pelo retorno dos militares (em todos os idiomas que puderam encontrar no tradutor do Google). Apesar da hidrofobia de alguns, as trevas não eram unanimidade no meio daquele Rock in Rio sem rock.

A maioria saiu de casa apenas para protestar contra a corrupção, pra variar só dos petistas. O feitiço acabou virando contra os feiticeiros do Dr. Roberto, mas apenas temporariamente. Eles já tentam convocar o “povo” para uma manifestação ainda maior dia 12 de abril. Será que dessa vez o navio afunda?

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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Conheçam meu livro! http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer


Um comentário:

  1. Gostei de todas as suas piadas. Uma forma engraçada de falar de algo sério. O combate a corrupção é a prioridade. Não gosto de pagar IR escorchante para sumir nesse buraco. Ainda assim é preciso manter o bom-humor e você fez um resumão bem alegórico. Até os inimigos do governo deveriam ler.

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