domingo, 1 de março de 2015

Jornal do caos


* Por Ronaldo Bressane.


Saturno



Logo que acordei, resolvi traçar aquele ecstasy que tinha guardado pra tal megarave na finalidade de observar a dança de meus esquálidos e nervosos iguanas ao som dos socos em meu piano num samba meio árabe. Porém, licença médica à parte, entre uma melodia e outra me lembrei de que sou só no mundo e preciso pagar meu aluguel e minhas roupas bacanas e que ainda estou no bico do corvo financeiro – preso por estelionato, eu? Deixei no ar meu solo de autodub e fui à luta. Abri as venezianas e as janelas e gritei para a rua: –
sou um profissional

Enquanto tomava banho, sentia a primeira efervescência e me lembrava de novo do que tinha acontecido à velhinha e meu pau subia. Retornava minha mente pras coxas da estagiária de redação, de meias amarelas, trancinhas e peitos transbordantes, mas, como devia fugir o pensamento do trabalho, tentava me lembrar daquela garota no lançamento ou na vernissage, a menina em quem vomitara, e gozei, no chuveiro, me recordando do meu jorro de vinho branco sobre seus seios.

Foi difícil – taquicardia: esse elevador é uma solitária vigiada, não é? Hein? Diz pra mim – mas saí do prédio. Um breve telefonema no orelhão e já temos um dia de negócios. Aquela garota poderia salvar minha vida... O cavalo branco na esquina me conduziu aos Jardins afundado no banco de trás fechando os olhos para não ver outdoors painéis de mídia e cale a boca e desligue a porra desse rádio, estou pagando.

No fim do almoço na casa da tal coroa carioca loira milionária, o lacaio biba de libré me trouxe uma bandeja. Imaginei que tivesse ali dentro uma cabeça, a de São João Batista no mínimo. Imaginei que o mundo é uma. Logo me recordei que minha cabeça está gravemente ferida e retornei à realidade do almoço à beira da piscina. Apocalíptico engano. A biba de libré levantou a bandeja de prata: me oferecia uma pílula. Logo saquei – era um xenical. Um remédio para. Bem, você sabe. Controlar o intestino. Sorri para o lacaio recusando, sussurrando “mais tarde, obrigado, tem algo doce, tipo uma mousse de limão?”
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Maria Luana Guimarães de Albuquerque Lins engoliu seu xenical e prosseguiu em seu carioquês aprendido em novela da Globo a história presenciada ontem à tarde: um ex-senador baiano, “amigo nosso, que perdeu o mandato naquela armação que fizeram contra ele, coitado”, havia visitado sua loja de roupas de prêt-à-porter. Tinha permanecido duas horas sentado numa poltrona especial Luís XIV, de um lado a neta, vendedora da loja, “uma gatinha meio axé, e um lacaio do outro. Vinha uma modelo rebolando, os seios pra cima, o senador olhava fixo, doidão – bolinhas, meu bem –, e, pior, você sabe, ele é broxa. A modelo passava, fazendo a voltinha, ele olhava a bunda da moça. A tar-de in-tei-ra: peitão, bundão, peitão, bundão, peitão, bundão. Um dos homens mais importantes da República passou três horas na minha loja olhando o rabo das minhas meninas – até meu próprio rabo o filho da puta deve ter olhado. Comprou sabe o quê? Um par de sapatos Zegna para ele e um vestidinho Dolce & Gabbana pra xumbreguinha. E ainda parcelou em três vezes no cartão de crédito. Ah, olha, Zed, licença. Vou ali dentro e volto já”.

Será que foi efeito do xenical? Eu olhava o sol se refletindo nas águas da piscina e pressentia a segunda efervescência. Ainda fingindo que não me reconhecia da outra noite – eu idem; etiqueta moderna –, a vomitada filha da perua carioca ensolarava a tez galega. Era morena, pêlos pretos, mas tingia o cabelo de loiro. Havia aberto o biquíni de lado e, mesmo da mesa de onde eu estava, podia ver que tingia também os pelinhos do púbis, por sinal bem aparadinhos, acho que ela curte raspar estilo bigodinho de Hitler. Será que a perua ia ficar muito tempo cagando? Como é que funciona essa porra de remédio? Ela toma um e em quinze minutos, plin plin, já sai um cocozinho?

E aí o que é que ela faz com o cocozinho, será que o embrulha num papel alumínio prateado, faz um lacinho e dá de presente pro marido, tipo um mimo – como as freirinhas do século XVII na Bahia [provavelmente tataratataravós dessa tipinha cagona retrocitada] faziam pra conquistar a coqueteria dos freiráticos, aqueles donos de armazéns em Salvador que, sem comer ninguém, paqueravam as meninas que iam dar um tempo nos conventos depois de aprontarem e ficarem grávidas, entregavam o filho pruns padres viados e ficavam uns dois anos por ali, se chupando umas às outras até que surgisse algum fidalgo de boteco querendo se casar com elas e lhe fizessem a corte com presentes, ao que as freirinhas, mimosas, respondiam com florzinhas, sabonetinhos perfumados, ou, pra sacanear algum desses filhos de porra nenhuma, com bostinhas embaladas em rendinhas –, será que essa perua de merda faz isso pro marido também?

Oooahh. Foco. Foco. Muita calma nessas horas. Vamos desligar a central de informações. Voltar pra piscina, pensei, quando, duma porrada, senti o MDMA reverberar num tuiiimmm, inspirado nos reflexos do sol nas águas azuis da piscina refletidas de novo na pele dourada da menina filha da perua e seus pelinhos alvos, os pelinhos atrás da nuca, os pelinhos sobre o lábio, os pelinhos em volta do umbigo, em volta da xoxotinha, imaginei que até mesmo seu cuzinho se blondeie, a imaginei num instituto de depilação com uma gorda aplicadora negra a tingi-la trigueira na mais profunda bunda e ela gemendo de dor – então, toda vontade que tinha no mundo é de me transformar num gorila e fodê-la como um gorila retardado fode sua mulher gorila; e eis que ela pareceu perceber isso, pois se virou de barriga para baixo me olhando fixa empinando aquela bunda maravilhosa, o biquíni frouxo revelando o início do rego, do rego em que algo está tatuado, um número, parece ser um número, e, sentindo a terceira efervescência invadir minha epiderme, me levantei, pau em riste – quando chegou a tipinha perua, recém-bosteada e devidamente perfumada com talco importado no rabo, insinuando um cafezinho na salinha de dentro. Ou seja, justamente a deixa pra que eu a comesse em seguida, já que afinal de contas era pra isso que o gigolô jornalista aqui tinha vindo... imaginei que aquela tipa podia me descolar umas passagens pro Marrocos, assunto duma reportagem que tenciono vender à revista patrocinada pela loja dessa mesmíssima socialite.

Por isso mesmo, só pra zuar o barraco e só porque aquele tranco do E no esôfago estava me noiando resolvi que esse sábado era um belo dia para comer o cu da madama. E talvez fosse interessante lhe dar uns tapas na cara pra motivar futuras pautas. A bacanuda pegou no meu pau e eu anunciei que estava com um puta tesão na filha dela, um dia ainda vou acabar comendo a menina. Ela riu, “queria ver sua cara se visse a gente fazendo massagem ayurvédica uma na outra”, e me levou pro seu quarto decorado por aquele frango enganador de peruas, tirou o vestido comprado em NY e ficou só de combinação roxa, pra brincar resolveu me mostrar sua prática de vinyasa yoga, o que a fez soltar docemente alguns flatos enquanto plantava bananeira debaixo duma pirâmide púrpura sobre uma espécie de pista de dança ao lado da janela de onde se descortinava uma cascata sobre a piscina, fez um giro na cama – a quarentona é super flexível – e caiu de boca em meu pau com vontade, envolvendo-me com todas as suas línguas de uma maneira que eu cheguei a pensar até em amor verdadeiro... Quando, arrumando o peitinho ainda no biquíni verde, a filha entrou no quarto e proclamou:
“você empresta aquela sua calça da Donna Karan?”

Sem soltar meu pau, em que me dá uns beijinhos, a coroa falou, mansa: “está no closet, Maria Fernanda, mas é vai e volta, viu?”. Maria Fernanda observou por uns cinco segundos sua mãe me chupando – talvez lembrando de minha golfada em seu colo naquela festa, ou talvez comparando mentalmente sua viperina técnica lingüística com a dela – enquanto pegava a calça, e, antes de sair, mandou um “tchau”.

Tenho que admitir que a coroa mandava muito bem no trabalho de sopro. Ok, quase broxei ao ver, no criado-mudo, ao lado de uma imagem de Nossa Senhora, uma pílula de viagra – provavelmente do marido, sócio do tal ex-senador em alguns negócios no Rio de Janeiro e Bahia [o que quase me broxou não era pensar nos escrotos que haviam passado por aqueles mesmos orifícios, mas apurar que esse homem, diretor da todo-poderosa federação das indústrias de São Paulo, era impotente – e a forma como descobria esse furo de reportagem é que quase me desinflou os corpos cavernosos]. Logo a língua eficientíssima de Maria Luana Guimarães de Albuquerque Lins, que não resvalava os dentes na minha glande, me recompôs, e, aí, algumas horas e muitas técnicas sofisticadas depois, esporrando nos três buracos da coroa, Zed Stein se certificava de que tinha descolado a viagem pra fazer a tal matéria de turismo em Marrakesh. Ao sair, a biba de libré me sapeava da mesma maneira como entrei – nulo. Quantos putos babacas como eu não teriam transposto os umbrais daqueles playboys?

Zonzo, zanzei pela cidade a pé, indo do Jardim Europa até o centro, onde me lembrei dos meus tempos de office-boy e passei horas alucinantes acelerando tudo num Space Invaders vintage escondido no fundo de um flipper. A sede enlouquecendo, uma pá de vagabundo juntou pra me ver possesso jogar e suar e matar etapas e garrafas d’água. Horas depois, recorde quebrado, saí fora, antes que me elegessem o novo Pinball Wizard, e voltei pra Vila Madalena. Por umas trinta bancas de jornal tinha passado – sem cair na tentação de olhar as manchetes. Me senti Santo Antão no deserto. Onde será que vendem gafanhotos? Um bom programa: fritar uns gafanhotos e comer eles lambuzados em mel, assistindo, no ringue aquário, aos iguanas afiarem seus dentes no couro um do outro... No que cheguei ao loft, porém, tive de encarar, jogados entre nacos de pizza, garrafas vazias de pepsi e baratas, os envelopes dos infotraficantes.

[Duas da manhã. A correspondência continua fechada. Na sala, o Agente havia tirado sua roupa, corrido as cortinas e acendido todas as luzes. “Quero dormir agarrado aos pés, como um feto numa esfera de silício”, geme ele, em voz alta, trêmulo, segurando uma convulsão. Segundo conta, está “treinando para quando ficar cego”.

Antes, porém, “antes que chegue a sétima efervescência”, o Agente revela à reportagem que “não tem mais nada a dizer”. Pretende apenas “bater uma punheta para Maria Fernanda Guimarães de Albuquerque Lins”, afirma.]


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Sexta parte de “Jornal do caos”, conto de Céu de Lúcifer [Azougue Editorial]

*Escritor, jornalista e editor. Edita a revista V (www.vw.com.br/revistav) e colabora com várias publicações, como Trip, Vogue e TPM. É um dos co-editores da coleção Risco:Ruído, da editora DBA, e atua no HYPERLINK http://impostor.blogspirit.com http://impostor.blogspirit.com.


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