quarta-feira, 25 de março de 2015

Era uma vez um político honrado


* Por Mara Narciso


Quando Toninho Rebello foi indicado para prefeito de Montes Claros durante a recém instalada Ditadura Militar, em 1966, havia o bipartidarismo ARENA – Aliança Renovadora Nacional, partido do governo e o MDB - Movimento Democrático Brasileiro, a oposição. Então eu vi, aos 11 anos, a minha mãe Milena Narciso Cruz olhar o fato com desconfiança. Ela foi uma revolucionária calada, e meu tio Pedro Narciso, tido como esquerdista, tinha sido na cidade, um dos cinco fundadores do incipiente partido contrário ao governo.  Os fatos do primeiro mandato (1967 a 1970) mostraram, por importância e magnitude, que as suspeitas eram infundadas, e ainda que preferíssemos as eleições diretas, elas chegaram e nos calaram de vez, pois, consagraram Toninho Rebello para um segundo mandato (1977 a 1982). Ele teve mais votos que os cinco oponentes somados.

Meu pai Alcides Alves da Cruz foi defensor da Ditadura Militar e, ainda que não fosse nascido em Montes Claros, era um montes-clarense apaixonado. Nisso, fazia páreo com Toninho Rebello, que tinha um amor confessado para com a sua cidade. Alcides era fã das ações de Toninho, que ele chamava de “seu Tunim”. E ainda que eu menina, me relacionasse com posições opostas à mesa do café, via com alegria a poeira ser substituída por asfalto de boa qualidade, sendo antes colocado esgoto nas ruas centrais, perto de onde eu morava. Em 1970, foi inaugurado o Parque Municipal Milton Prates, uma jóia de lugar, que depois tive o prazer de usufruir melhor, quando morei no Bairro Morada do Parque, nos anos mais felizes da minha vida.

O livro “Toninho Rebello, o homem e o político”, escrito pela sua sobrinha professora Dra. Ivana Ferrante Rebello e pelo jornalista Jorge Silveira, presta uma homenagem de amigos, pois não cita defeito algum no retratado. Isso não significa que a obra decepcione, ainda que se sinta a timidez de Ivana, escritora de muitos cabedais, em falar do tio, um homem reservado e sério. Grande fazendeiro, filho de português, Antônio Lafetá Rebello teve uma criação rígida, e seu caráter foi moldado por essa cartilha. Quando os autores falam que o ex-prefeito, falecido em 1992, era engraçado, custa-se a acreditar. Porém, como certas características são hereditárias, eu conheci esse lado, indiretamente, pois fui colega da sua filha Cristina Athayde Rebello no primário, ginásio, científico e faculdade de medicina, e via nela, e de forma marcante, esse lado espirituoso. Também convivi com sua outra filha Vera Lúcia Athayde Rebello Gomes, já falecida, que tinha presença de espírito, com tiradas engraçadas. Acreditei na informação do livro.

Quase nada foi revelado dos aspectos pessoais, comuns ou pitorescos do homem Toninho, e é natural a curiosidade do leitor, pois a chamada da capa sugere que se falará da personalidade, emoções e ações pessoais do biografado. Nisso Ivana ficou nos devendo, pois, do ponto de vista de curiosidade, só contou que o menino subiu a serra, retornando à noite. Disse ao pai que tinha ido ver as luzes da cidade, e foi castigado. O estilo discreto e fechado é de família, que, sendo rica, poderia ostentar, mas, avessa a aparecer, é de hábitos monásticos. Nunca cheguei a ver a sua esposa Marcolina, embora tenha entrado na sua casa, perto do atual mercado central, uma meia dúzia de vezes. Adorada pelas filhas, era, do ponto de vista de primeira dama, uma sombra, na discrição e apoio às decisões do marido.

As obras de Toninho Rebello mudaram a cara da cidade e foram sólidas e definitivas. Entre elas, Parque Municipal, esgoto e asfaltamento das ruas centrais e dos bairros próximos, Lago Norte, Anel Rodoviário, Avenida Sanitária (saneamento do Rio Vieiras, esgoto da cidade). O homenageado é Deputado Esteves Rodrigues, mas, para horror dos visitantes, os moradores só falam “Sanitária”. A Rodoviária imensa e longe há 32 anos, ideal e dentro da cidade hoje, foi construída na sua segunda gestão. Trouxe o sinal de TV, em 1966, e bem depois, um grupo de amigos, sob sua influência, criou a TV Montes Claros. Fez o polêmico e futurista “Plano Diretor”, que desapropriaria áreas centrais, enlarguecendo as ruas, mas nunca saiu do papel, pois seus sucessores o engavetaram. Meu pai ansiava por vê-lo concretizado.

Jorge Silveira diz que Toninho Rebello não era político no sentido populista, de querer transformar obras em votos, mas deu seu golpe de mestre em termos de estratégia. No seu primeiro mandato, tinha quatro vereadores na oposição, e para neutralizá-los, chamou um deles, o meu tio Pedro Narciso para ser o seu líder na Câmara Municipal. Assim, pôde ver aprovados os seus projetos. Dirigia seu próprio carro, pagava pela gasolina, e proibia os filhos e demais parentes de aparecerem na Prefeitura. Com o livro, ainda que singelo, pôde-se imaginar quem foi Toninho Rebello, gente de bem, que, sob qualquer aspecto, mostrou-se correto e cauteloso no uso do dinheiro público, fazendo-o se multiplicar em benefício da cidade. Ficou o mito de homem íntegro e melhor prefeito da cidade, resgatando-se o político honrado e reto que foi. E que sirva de exemplo às novas gerações.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   

2 comentários:

  1. Difícil encontrar um político com tão honrada biografia. Busto de praça para Toninho Rebello. Esse merece! Abraços, Mara.

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    1. Sim, nesse ponto foi quase unanimidade na cidade. Ainda assim, teve de ouvir mentiras. Obrigada, Marcelo, pela passagem e leitura.

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