quinta-feira, 5 de março de 2015

A sopinha do Zarur


* Por Edir Araujo


“Que sopinha boa, não é, meu irmão?!
Tem vitamina e tem agrião!
Todos os dias venho de Nova Iguaçu
Só pra comer a sopinha do Zarur.
Se não fosse ela eu já estava no Caju.”


Este refrão ouvia quando criança e ainda perdura insistentemente na minha cabeça.

Vez por outra recordo-o, com certa melancolia, invadido por singelo toque emocional.

Eram os anos 60 que já se vão longe, e entre saudosas lembranças pueris, vinha da rua cansado e sujo após muito brincar com a molecada. Ao entrar em casa ouvia o rádio transmitindo às 18 horas este inesquecível refrão. E assim ia tomar banho quase sempre perseguido por um arranhão no joelho que provocava ardência sob a água do chuveiro, ouvindo e cantando junto: “Que sopinha boa, não é, meu irmão?! (...)”


Abro este preâmbulo, meus caros amigos e leitores, para exaltar as admiráveis proezas de Alziro Zarur e a LBV, que  ficou conhecida por seu caráter assistencialista, notadamente a sopa servida aos carentes.

Alziro Abrahão Elias David Zarur foi um jornalista, radialista, poeta e escritor, fundador e primeiro presidente da LBV (Legião da Boa Vontade). Criou a Ronda da Caridade, onde distribuía, à meia noite, sopa aos pobres, entre eles muitos moradores de rua que aguardavam ansiosos a sopinha, servida nas madrugadas frias na periferia do Rio de Janeiro. A sopa era distribuída pelos legionários marcando o dia 1º de setembro de 1962 como um dia histórico para a LBV, quando ocorreu a primeira Ronda da Caridade.

Mas porque a meia noite? Alziro Zarur dizia que “nesse horário, os falsos pobres não estavam mais nas ruas” (sic). Grande pregador da Palavra de Deus, Zarur fazia questão de dar não apenas o alimento material, mas também o espiritual, pelas ondas da Rádio Mundial, onde dava grande ênfase ao mandamento de Jesus Cristo: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.

Durante 10 anos divulgou toda a Bíblia, de meia em meia hora, durante as 24 horas do dia, fato que se tornou até hoje único em todo o mundo.

Hoje, 01 de março de 2015, o Rio de Janeiro completa seus 450 anos de história, e entre tantas histórias é preciso resgatar mais esta, de 50 anos atrás, quando, em 1965, nosso Rio de Janeiro comemorava 400 anos de sua fundação, quando Zarur foi homenageado com o título de "Radialista do IV Centenário". Comunicador excepcional, sagrou-se campeão mundial de permanência no ar, com a impressionante marca de 33 mil audições.

Com tantos predicados e uma trajetória digna de nota faz-se necessário enaltecer alguns dados curiosos sobre este homem iluminado, carismático, dotado de grandes virtudes. Pois bem, pra quem não sabe, nasceu no dia de Natal, 25 de dezembro, no Rio de Janeiro, em 1914, ano que eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Filho de imigrantes árabes - Ássima e Elias Zarur - foi aluno brilhante do Colégio Dom Pedro II e já nesse tempo demonstrava seu pendor para o jornalismo e para a liderança: depois de escrever em todos os órgãos do colégio, fundou o próprio jornal (O Atalaia) e foi chamado para dirigir o órgão oficial, Boletim do Colégio Pedro II.

Entre suas citações destaco esta, onde assevera: “Perdoar é transferir a Deus o julgamento. Mas o Pai Celeste não impede os bons de se defenderem dos maus.”

Seu pendor poético é indiscutível, e permitam-me reproduzir aqui apenas para degustação a primeira estrofe de “Poema Do Amor Sem Alma” em Poemas da Era Atômica.
                                                   
“Sabia-se formosa (e, de fato, ela o era)
E desse hostil poder Leviana abusava:
Olhava de alto abaixo o espelho, e se extasiava
Ante o próprio esplendor do seu corpo-quimera.

Sadicamente má, antegozava, à espera:
Mais um homem que vinha... Outro, após, se ajoelhava.
Iludia sem dó... Sem dó martirizava.
Divertiu-se a valer essa divina fera!

Mas, uma dia, não sei por que desígnio incrível
A um Dom João qualquer, sem motivo plausível
Leviana escravizou-se, inerme, inofensiva.

E quando investiguei, com olho de Nordau,
Descobri, facilmente, a causa decisiva:
Ele era um homem mau, completamente mau”.

                                        (...)


Dono de uma voz potente e tocante, participou da chamada "Era de Ouro" do rádio brasileiro. Sua preocupação em respeitar as diferentes religiões foi reconhecida pelo Vaticano, sendo agraciado com a medalha do Papa Paulo VI, "por serviços prestados à causa do Ecumenismo". Foi sócio remido da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Polêmico e carismático, de forma popular e inovadora era pregador entusiasta do Evangelho e do Apocalipse de Jesus. Sua passagem para o Plano Espiritual aconteceu em 21 de outubro de 1979, aos 64 anos, de ataque cardíaco em sua residência no Leblon. Foi produzido no ano passado, em 2014, em seu centenário de nascimento, pela Boa Vontade TV, (que pode ser acessado neste link http://www.boavontade.com/tv) um documentário biográfico celebrando a vida e a obra desse grande brasileiro de Boa Vontade.


* Edir Araujo, poeta e escritor, autor dos romances psicológicos: "A Passagem dos Cometas" e "Fulana". "Gritos e Gemidos" (Seleção de poemas e crônicas), e outros em andamento.

2 comentários:

  1. Edir, acredito que a intenção permaneça boa, mas foi desvirtuada através dos tempos. Eu, por exemplo, acho a abordagem insistente e intransigente das moças que pedem ajuda em nome da LBV insuportável, e também, quando estive em Brasília conheci o Templo da LBV, e o achei de uma ostentação que humilha o Brasil. Por tudo isso, não sentia simpatia por esse senhor. Achei bom conhecer o outro lado da história.

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    1. Obrigado, Mara, pelo seu comentário, compreendo e respeito a sua opinião. Abraço deste amigo e admirador,
      Edir Araujo>

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