Seu Júlio
* Por
Núbia Araujo Nonato do Amaral
Seu Júlio não é o mais
velho dos filhos da finada dona Ziza, mas com certeza é o que mais aprontou. Não
podia ver rabo de saia e lá ia ele. Até que, enlaçado pelo destino, se casou e
produziu uma renque de filhos. Somente as meninas vingaram. Deus sabe o por quê.
Era um pai estilo
trovoada. Quando rugia, até a molecada corria. Alguns se enfiavam embaixo da
cama. Aliás, foi numa dessas incursões que encontrei o laço do meu cabelo,
sumido há tempos...
Gostávamos quando ele
estava de serviço. Aquele pequenino universo que habitávamos virava imensidão e
a gente danava a fazer besteira. "Pegávamos emprestado" frutas no
quintal do Zé Turco, revirávamos seu lixo. Podem crer, era lixo dos bons.
Criança, minha gente,
não se aperta. Se a barriguinha tá cheia, o resto é lucro. Nunca passamos fome
nessa vida, uma fartura de dar gosto. "Fartava" quase tudo, mas meu
pai sempre dava um jeito. Carne? Tinha não senhor. Leite, ovos e frutas?
Ihhhhh...
Ah! Mas tinha o quintal
do vizinho, aquele do lixo bom. Já vi seu Júlio chorar algumas vezes. Uma doeu
em mim, embora eu não entendesse. Foi quando minha mãe perdeu um anjinho, nosso
irmãozinho. Chorou também num certo Natal, em que não havia nada sobre a mesa e
ainda assim nos sentamos e ouvimos a oração de minha mãe.
Suspiro bem comprido
agora na certeza de uma saudade velada. Meu pai ainda vive, mas o seu Júlio de
minhas memórias já adormeceu há muito tempo...
* Poetisa, contista, cronista e colunista do
Literário
Época de reinventar o passado para adocicar o Natal. Uma maneira muito bonita de ver a pobreza e a falta de memória do seu pai, Núbia. Amolece até a alma.
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