sábado, 20 de dezembro de 2014

Julian Assange, meu filho, nosso filho, meu amor!


* Por Urda Alice Klueger


Ele poderia ter sido meu filho. Em 1971, quando ele nasceu, eu tinha 19 anos, começara a trabalhar num primeiro emprego e estava a me apaixonar irremediavelmente por aquele que seria o tão grande amor da minha vida que nunca acabaria de passar.

Tudo era apropriado para eu ter tido um filho nessa altura: era jovem, saudável, tinha células perfeitas para dar continuidade à vida, um companheiro perfeito para dar origem a um filho perfeito – só que Julian Assange não nasceu de mim, embora hoje, olhando para trás, bem queria que tivesse sido eu a lhe dar à luz.

Ele não nasceria no Brasil, no entanto, e o nome da sua mãe seria Christine, ao invés de Urda. Como se fosse também um pouco meu filho, nasceria por cá pelo mesmo Hemisfério Sul, embora a Austrália, o país dele, até hoje ainda me faça pensar, em primeiro lugar, em cangurus, coalas e no grande crocodilo que quase comeu a perna do Crocodilo Dundee, além de uma fila de governantes que nunca me parecem simpáticos, todos usando uniformes certinhos, de terno, gravata e barrigão, os quais passaram a me chamar a atenção a partir das atrocidades acontecidas em Timor Leste. Eta gente fria, aquela dos governos australianos!


E o menino genial não nasceu de mim nem do Brasil, mas nasceu tão genial que pôs todo o mundo em polvorosa. Tenho prestado atenção nele desde o primeiro dia em que Willian Bonner, aquele mesmo que disse que seleciona as notícias para o ignorante público brasileiro ver no Jornal Nacional pensando se agradariam ou não a Homer Simpson falou a respeito do sítio daquele menino genial errando na pronúncia, dizendo que era o “uaikeliks”, para no dia seguinte se retratar e dizer “uikeliks”, tão grande era o impacto da notícia no mundo.

O fato é que um menino que era puro gênio nascera no mundo, brincara um pouco de hacker para aprender a como fazer para descobrir os grandes segredos que se escondiam nos novos aparelhos das novas tecnologias, e ontem à noite, ainda, ouvi como ele contou como estava tentando entender o mundo que o rodeava e onde vivia – e da sua estupefação ao entender, ainda tão menino, que o que pensara bonito como uma ave canora não passava da mais sórdida cova de leões que já se viu sobre este planeta, com seus milhões de malefícios, assassinatos , guerras sujas, economia podre e a vileza das mais diversificadas traições.

Quando entendeu o que verdadeiramente passava, sua genialidade diante da tecnologia moderna fê-lo criar a mais sofisticada das páginas da Internet, onde sua sede de justiça e ânsia da verdade passou a publicar as mais ignóbeis verdades sobre o que acontece, de verdade, no mundo, deixando de calças curtas os maiores assassinos da humanidade a babujar desculpas esfarrapadas nas quais ninguém mais acredita e a alertar ao povo inocente sobre verdades que a gente simples nem imaginava.

É claro que aquela máfia do horror, aquela que ficou de calças curtas, tratou logo de botar a mão nele e na sua equipe: encurralaram-no em Londres com um bobo pedido de extradição para uma Suécia grande alimentadora de guerras com a venda das armas que produz – e estava implícito que da Suécia haveria uma nova extradição para um outro país chamado Estados Unidos onde a mais amenas das esperanças era a de uma cadeira elétrica.

Não compreenderam Assange, claro! O lindo menino que poderia ter sido meu filho enganou um pouco de cá, um pouco de lá – e acabou por ir proteger-se dentro da embaixada do Equador, aquele país de gente tão querida que já pude conhecer um dia.

Claro que o Equador lhe deu asilo político – e claro que os parentes dos crocodilos da Austrália não estão nem aí para o filho de quem deveriam se orgulhar. O problema, agora, é tirar Julian Assange de dentro da embaixada do Equador, levá-lo até ao aeroporto de Londres para que ele possa, afinal, lépido e faceiro, tomar o rumo desta nossa América dita Latina que comunga dos seus ideais e já o ama por antecipação.

Por enquanto a coisa ainda não se deu, pois está cheinho de polícia inglês ao redor da embaixada equatoriana, esperando o menor pretexto para ir lá acorrentar esse menino como se fazia no tempo da Idade Média!

Tenho fé na minha América, no entanto! De um jeito ou de outro, Julian Assange vai acabar sendo trazido para cá e vai ser o nosso orgulho. Pudesse eu, ia lá contrabandeá-lo para as delícias de Quito.

Julian Assange, meu querido, quisera ter sido a tua mãe, e então te chamaria de Julian Assange, meu amor! Tua mãe foi outra, o que não quer dizer que não possa te chamar de meu amor! Venha logo, nuestra América está te esperando!

(Para Eduardo Venera dos Santos Filho)

Blumenau, 2 de setembro de 2012


* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).

Um comentário:

  1. Cada um de nós tem suas virtudes e pecados. Gosto de conhecer o que acredita e o que desacredita, os que são seus heróis e os seus bandidos. Os seus argumentos são tão convincentes Urda. É porque usa a estratégia do amor para seduzir seus leitores e faz isso com uma maestria, que encanta.

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