quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Crônica de Natal

* Por Robledo Morais    
 

É tempo de alegria. Por todo lado se respira festa. Sucedem-se comemorações, jantares e encontros festivos de quem se reuniu o ano inteiro só para trabalhar. E nesses momentos de euforia vicejam mensagens de "Feliz Natal e Próspero Ano Novo", com promessas e juramentos de cada um suportar mais os defeitos do outro; de não se fazerem comentários maldosos a respeito do relacionamento do diretor da empresa com a secretária; de compreender a dor nas costas da diligente faxineira que a impede de deixar as mesas dos funcionários tão limpas e brilhantes como roupas lavadas com "Omo Total"; de não se fazer fofocas sobre a Carminha porque seu namorado a abandona e volta tantas vezes quanto queira! Carminha é a querida de todos, e de tão romântica não resiste às canções do Julio Iglesias, ouvindo-as o dia inteiro com os olhos lacrimejantes! Enfim, são promessas, trocas de abraços e apertos de mãos, desejando-se um restinho de terceiro milênio mais tranquilo e menos globalizado. E até as ruas da cidade participam do canto geral de alegria, deixando-se encher de gente. Gente que compra, gente que namora, gente que ri, gente que chora e gente que se comove com as músicas natalinas, na expectativa de melhores tempos! Eu me intrometo entre essa gente falante e com minha mulher passeio pelas ruas, observando os passantes e a decoração discreta do comércio. Um lojista me diz que apesar das poucas vendas o contato com o povo é mais caloroso e compensa o sacrifício das horas em pé, sem poder curtir a novela das nove ou o jogo de futebol da tevê. Minha mulher encontra uma amiga e inicia um animado bate papo.

Eu fico sozinho na caminhada de natal. As pessoas que vejo são parte do meu dia a dia e as conversas são ligeiras, ditadas pela urgência das compras de última hora. Paro no fim da rua do comércio. Prende-me a atenção um menino sentado na calçada. Desses meninos que vestem roupas velhas e surradas; desses meninos que sabem que é natal, mas que não vão ganhar a bicicleta sonhada; desses meninos que já ouviram falar, mas nunca viram Papai Noel nem seus presentes! Desses meninos que se encontram no fosso que separa as famílias ricas das mais pobres e das que sequer possuem o que comer! O menino levantou-se e eu o segui. Depois de alguns quarteirões, bateu na porta de uma pequena casa. Uma mulher apareceu e o enlaçou com um abraço carinhoso, murmurando: "É tão tarde filho"! O menino ficou em silêncio. Enfiou as mãos nos bolsos e deu-lhe umas balas: "São para você mamãe, eu as ganhei de um velhinho que passava pela rua". A mulher voltou a abraçar o filho e, triste por saber que seria mais um natal sem presentes cantarolou: "Papai Noel porque será que você não pensa em mim. Meu sapatinho já cresceu, mas não ficou tão grande assim grande assim"! A luminosidade branca da canção invadiu o ambiente. Atordoada, a mãe voltou-se para o filho que, adormecido, sorria! Senti ali a verdadeira magia do natal ao ver que mãe e filho desfrutavam de uma tranquilidade ímpar que não pode ser comprada com dinheiro ou conquistada pelo poder! A porta fechou-se devagar e eu me afastei. Ao reencontrar minha mulher, esta se surpreendeu com a expressão feliz do meu rosto. Foi assim essa mística cena de natal!


* Juiz de Direito aposentado

Nenhum comentário:

Postar um comentário