terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Recepcionando 2015



O ano de 2014, que em nossa mente parece recém-começado, está prestes a se ir de vez, sob o espocar de fogos (costume dos mais estúpidos e chatos), estouros de champanhas, abraços, beijos, votos de felicidade para o nascente 2015 e muitas esperanças das pessoas (de algumas), de que as coisas vão melhorar. Uns dirão: "Já vai tarde". Outros, mesmo 2014 não tendo acabado, já sentem saudades das coisas boas que lhes aconteceram. Outros, ainda, estarão tão bêbados na entrada do novo ano que não pensarão em nada. Ou, quem sabe, em meio ao torpor produzido pelos vapores etílicos, vão elucubrar se devem ou não tomar mais um copo. É a ronda inexorável e inflexível do tempo, que encerra mais um capítulo em nossas biografias, que não poderá mais ser retificado e muito menos refeito, de um número que não sabemos quantos serão.

Com a entrada do novo ano, nos aproximamos de outro evento esportivo, a exemplo da Copa do Mundo de futebol deste ano, que foi enorme sucesso fora de campo (e contundente vexame nos gramados, com a humilhante goleada que a Alemanha aplicou à Seleção Brasileira). Claro, refiro-me àqueles fatídicos 7 a 1 do Mineirão. A nova oportunidade de recepcionar atletas e torcedores de várias partes do mundo será a disputa das Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. Espera-se que o País brilhe não apenas no que diz respeito à organização e ao legado que o evento possa deixar, mas também no terreno esportivo. A probabilidade, porém... não é nada animadora.

Lembro-me que, quando criança, o ano 2000 parecia ser um período remotíssimo, algo tão distante que não chegaria nunca e que a maioria achava que jamais testemunharia. Muitos não testemunharam mesmo. No entanto... já se passaram catorze anos, e entraremos no décimo-quinto, de um novo século (o XXI) e de outro milênio, o terceiro da Era Cristã e nada de tão especial aconteceu. Inúmeras fantasias, que nos meus tempos de menino – e de adolescente também, por que não? – eram divulgadas em relação a essa data, em um estéril e inútil exercício de futurologia, provaram-se ser o que sempre foram: fantasias, tolices, bobagens.

As previsões eram tão absurdas, que raiavam ao delírio. E o pior é que milhões e milhões de pessoas mundo afora acreditavam sem vacilar nelas e as difundiam, não sem alguns acréscimos próprios, pessoais.   Falava-se – pensando no aspecto otimista – que as viagens interplanetárias seriam rotina, por exemplo. Não são! Que as máquinas governariam o mundo e fariam todo o trabalho do homem e que este poderia gastar todo o tempo que tivesse apenas para o prazer e para as artes. Nada disso aconteceu! E diziam-se (e escreviam-se) outras tantas bobagens do tipo, como a construção de imensas cidades nos oceanos, a comunicação interpessoal por via telepática e vários e vários outros disparates do gênero.

Os pessimistas também não se faziam de rogados. Para eles, a humanidade jamais chegaria ao ano 2000, que seria o limite do "fim do mundo". A rigor, essa hecatombe ainda pode acontecer, independente de data, pelos mais diversos meios. Sempre pôde, dada a fragilidade deste pequeno planeta azul. Basta lembrar o que “teria” acontecido com os dinossauros há 65 milhões de anos, muito antes do surgimento do homem. Se aconteceu de fato, ou não, fica por conta da imaginação de cada um. No entanto... Pouca coisa mudou em relação aos anos 40 ou 50, por exemplo. Ou à primeira década do ano 2000, que veio, passou e nenhuma das previsões feitas em torno dele, boas ou más, se concretizou.

A Terra ficou mais povoada e poluída, é verdade. Agora, somos mais de 7,2 bilhões de tripulantes nesta cada vez mais apertada e suja nave cósmica. Algumas engenhocas tecnológicas tornaram a vida de alguns mais fácil, mas complicaram as de muitos outros, suprimindo-lhes empregos. As mazelas políticas, econômicas e sociais continuam as mesmíssimas, assim como as guerras, a criminalidade, o tráfico e consumo de drogas, o fanatismo religioso ou ideológico etc. Tudo isso aumentou apenas em quantidade. Pudera! A população do Planeta mais que dobrou em escassas quatro décadas.

Muitos podem achar que esta não seja reflexão oportuna, ou apropriada, para véspera de virada de ano. Essa é ocasião em que as pessoas planejam o futuro, embriagadas de esperança, achando que nada pode dar errado em suas vidas e no mundo. Mas esse planejamento é necessário? É útil para alguma coisa? É, pelo menos, viável ou possível? Não sabemos sequer se iremos sobreviver a esta noite! Além disso, é a imprevisibilidade que torna a vida esta aventura fascinante que de fato é.

Santo Agostinho deixou registrada uma reflexão muito sensata, e exata, sobre o tempo, esta sim oportuníssima para esta ocasião. Escreveu: "Se nada passasse, não haveria passado, se nada adviesse, não haveria futuro e, se não fosse, não haveria presente. Nem o passado nem o futuro existem de fato. Daí ser impróprio se falar em três tempos. A rigor o correto seria falar no presente do passado, no presente do presente e no presente do futuro. Os três modos estão em nosso espírito. O presente das coisas passadas é a memória, o presente das coisas presentes é a visão direta, o presente das coisas futuras é a espera". E não é? Já fiz essa mesma citação em outro texto alusivo à passagem de ano, mas ela continua oportuna como sempre foi e não faz mal algum repeti-la e reiterá-la; 

O sociólogo Roberto da Matta tem outra colocação para este caso. Acentua: "Tal é o tempo que corre, como lágrimas e sangue por dentro do espaço da casa. Casa que passa pelo tempo que tudo destrói, menos a vida contida pela teia de relações que constituem o nosso mundo social. Esses elos, que apesar do nosso individualismo e cosmopolitismo, ainda nos dobram e nos obrigam a fazer e a dizer coisas que não queremos e sabemos". Daí a conclusão lógica de que o mais racional e inteligente é viver cada momento com a máxima intensidade, já que pode ser o último.

O mais sábio é aproveitar cada oportunidade que surgir para acrescentar algum episódio marcante à nossa biografia e, principalmente, para fazer com que ela seja digna de ser escrita. Nem sempre, ou nem todas o são. Compete-nos nos empenhar para produzir obras e obras e mais obras consistentes, materiais ou no terreno das idéias, que evitem nossa segunda morte, esta sim definitiva: a do esquecimento. Que os próximos 365 dias sejam  feliz ronda no tempo, não grotesca ou penosa, mas repleta de episódios marcantes e inesquecíveis. Que sejam, sobretudo, o tempo do encontro da felicidade, a principal das nossas obrigações enquanto seres racionais. Feliz ano novo (antecipado) para todos!


Boa leitura


O Editor

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