A
essência da vida
O novo ano está às portas pedindo
passagem. Cada segundo que passa o torna mais próximo. Aliás, em muitas partes
do mundo – em países da Ásia e da Oceania – já chegou. Seus habitantes já fazem
o que a maioria de nós fará por aqui, em mais dez horas – redijo estas
reflexões às 14 horas de 31 de dezembro de 2014. Ou seja, abraçam-se, soltam
fogos, abrem champanhes, fazem juras e resoluções, a maioria das quais (quando
não a totalidade) cairá no esquecimento, se não amanhã, pelo menos na próxima
segunda-feira, quando a vida retomar seu ritmo normal. Enfim, tudo o que se
faz, em todos os anos, nesta mesma época, se repetirá e está se repetindo onde
já é ano novo. É certo que, por razões várias, conforme a realidade de cada um,
nem todos estão comemorando, ou vão comemorar a passagem de 2014 para 2015.
Suspeito que a maioria esteja nesse caso, enfrentando dramas pessoais ou
familiares terríveis.
Há gente nascendo, gente morrendo,
gente delinqüindo, gente amando, gente passando fome, gente chorando em
desespero etc.etc.etc. por este mundão de Deus afora. Isso sempre foi e sempre
será assim. É a realidade da vida que, os que podem, buscam esquecer, pelo
menos em ocasiões como esta. Os que conseguem (e me incluo entre estes nos meus
quase 72 anos de vida) são privilegiados, posto que raramente reconheçam esse
privilégio. Na real, abstraindo fantasias e esperanças, este momento trata-se de
mera mudança de números em uma folhinha e nada mais. Todavia, as pessoas (e eu
também, claro) agem como se fosse o início de uma nova era, que fantasiam como
próspera e radiosa. Todos os dias, e não apenas 1º de janeiro, são ou podem ser
recomeços ou continuidades. Ou ambos. Embora muitas vezes nos pareçam “iguais”,
os dias (nenhum deles) nunca são. Nós é
que não notamos as diferenças, a não ser quando atropelados por perdas e
tragédias. Quase que mecanicamente, tendemos a considerar que o período
recém-findo nos trouxe só amarguras e dissabores. Esquecemos, pois, das
alegrias e bênçãos que tivemos.
Passamos a fazer planos muito vagos,
não raro mirabolantes, para futuro próximo, acompanhados de resoluções que,
insisto, raros cumprirão. Muitos dirão, ou pelo menos pensarão: “2014 já vai
tarde!” Insensatos! Esquecem-se que nossa morte está em algum lugar do futuro?
No fundo, no fundo, todos sabem, ou pelo menos intuem essa verdade. O que
querem é se iludir, como se essa ilusão lhes desse forças para continuar
vivendo. Em escassas dez horas – nas quais tantas coisas boas e/ou ruins ainda
podem acontecer – pelo menos para nós que estamos regidos pela hora oficial de
Brasília – entraremos, de vez, em novo ano. Aliás, na realidade, 2014 vai
acabar só uma hora depois dos relógios marcarem meia-noite. Estamos em pleno
horário de verão. Mas o que importa? Alguns farão essa observação, em meio às
vaias dos que os cercarem. Assim que os primeiros fogos riscarem o céu, vão
chover abraços e votos (a maioria feita à base de clichês surrados, repetidos
ano após ano, num atentado à memória alheia) de felicidades, saúde e
prosperidade, feitos só "da boca para fora". São palavras mecânicas, formais, mera
convenção social, mas de "bom tom" que sejam ditas. É uma farsa que
se repete, geração após geração, com raras variações.
O jornalista, escritor e médico Wilson
Luiz Sanvito escreveu, em um de seus tantos artigos publicados no “Jornal da
Tarde”, de São Paulo, que “após uma longa vida, o homem é um pouco uma fusão de
todas as pessoas que conheceu, todos os livros que leu, todos os crepúsculos
que admirou, todas as obras de arte que apreciou, todas as músicas que ouviu”. Por
esse critério, 2014 serviu-me como ano de enriquecimento, de acréscimo ao
patrimônio intelectual e, sobretudo, sentimental. Novas e estimulantes amizades
foram incorporadas às antigas, o que muito me envaidece e orgulha. E para minha
alegria, nenhuma das que eu já tinha antes se perdeu.
Mas na próxima segunda-feira (isto se
não for já amanhã ou depois), as solenes resoluções da véspera serão
prontamente esquecidas. A vida seguirá seu curso, até o próximo final do ano.
Para quem gosta de futebol (e este é o meu caso), já poderá, por exemplo, a
partir de sábado, acompanhar a primeira competição de 2015: a Copa São Paulo de
Futebol Junior. Estudos, trabalho, namoro, casamentos, separações, planos,
sucessos, fracassos, encontros e desencontros, nascimentos e mortes... Tudo se
sucederá de novo, meio que aleatoriamente. E continuaremos, como sempre,
buscando a felicidade alhures, mesmo que ela esteja o tempo todo conosco, bem
debaixo do nosso nariz sem que a notemos. Concluo que a esperança ainda é o
grande alimento das nossas ilusões. E que estas se constituem, admitamos ou
não, na verdadeira essência da vida...
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Em casa agora, meia-noite, horário de verão, ouço o foguetório. Eu também não gosto desse barulho. Começam bem antes da hora e perduram por toda a madrugada. É bem chato esse costume.
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