quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Quero o meu primeiro!


* Por Mara Narciso

A civilização moderna e apressada ensina a correr e a passar na frente, quando não por cima dos outros no ciclo da competitividade desenfreada. As filas, método que iguala os desiguais, é um exemplo de como não queremos ser passados para trás. A intenção é pegar a menor fila, aquela em que se vai chegar mais rápido ao objetivo. Ao entrar num auditório não numerado, há de costume uma corridinha em direção aos melhores lugares, de melhor visibilidade, melhor som, e geralmente mais perto do palco, caso houver. Os mais ágeis e fortes, pegam as poltronas boas.

“O amor excessivo ao bem-estar próprio, sem consideração com os interesses alheios” é o que se caracteriza como egoísmo, diz o Aurélio. Assim, o mais comum é a pessoa tentar pegar a vaga antes do outro, em situação espacial pior, mas que viu o lugar primeiro. Ou o pior, usar as vagas especiais, sem delas ter direito. E se orgulhar disso, se metendo em discussões quando alguém questiona. Qualquer vacilada numa fila, e já se é passado para trás. Embora não gostemos, estamos habituados a ver jovens sentados e pessoas portadoras de necessidades especiais, grávidas, idosos ou mães com crianças no colo em pé, num ônibus ou metrô. E caso alguém decida reclamar ouvirá insultos e até mesmo sofrerá agressões físicas, vistas em profusão na internet.

Da escola, um filho chegou orgulhoso mostrando ao pai o resultado final do ano letivo, onde se lia: segundo lugar. O pai nem levantou os olhos, dizendo apenas num muxoxo: nessa escola não tem primeiro lugar? E na busca de estar na frente, ser sempre o melhor, quando sobrará tempo de aprender a respeitar, a dar a vez, a ajudar o próximo? Esse pai, pelo menos desta vez não ensinou isso ao filho.

Há quem atropele alguém, figurativamente, e nem veja, ou ainda fale muito no egoísmo alheio, sem se perguntar se aquilo que faz ou fala não são demonstrações da mesma característica que no outro é vista como defeito. O dia-a-dia é pródigo em exemplos da busca do se dar bem, antes dos demais. Situações de desconforto, atropelo, pressa, gente demais, chuva, sol forte, ou uma chegada competitiva e tumultuada são aulas de que os mais fortes vão se acomodar melhor.

Estou seco, sentado, na sombra, alimentado, o que me importa se há uma multidão para se sentar? Já tomei o meu banho, que os outros esperem a sua vez. Já me alimentei, agora que se danem. Não tem para todo mundo, mas eu já me fartei, então que eles também fossem precavidos como eu fui e chegassem a tempo. Este é o último doce do prato, mas a minha mão é mais esperta? Que seja meu, então. A criança está chorando, que a mãe a console. Não tem lugar para mais ninguém. Lotou, pois então que fique para trás. “Quem vai ao ar, perde o lugar”. Quanto egoísmo!

Viagens em grupo, especialmente naquele estilo estudante, romaria, ou alguma outra alternativa popular, o item conforto é escasso, a situação costuma ser precária e se não houver bom planejamento, vai faltar coisa e sobrar gente. Quando se é jovem, os problemas da jornada podem até virar farra, mas os adultos têm pouca paciência com essas falhas. Diante de um imprevisto, o amadurecimento do grupo deverá prevalecer, mas não falta quem ache que o último cobertor tenha de ser para ele, caso surja uma imprevista onda de frio. Ou ainda se houver falta d’água para beber ou para banho, e desconforto grande à vista, os mais frágeis deveriam ser atendidos primeiro, mas não é o que acontece. Os mais fortes passam na frente, derrubando os demais.

Nas guerras e catástrofes: mulheres e crianças vão primeiro, assim como num navio que aderna. Porém, nessas situações extremas, o verniz da civilidade some, e o instinto animal prevalece. Ainda assim, gente equilibrada e altruísta existe, o que nos dá esperança de que a raça humana ainda é humana.

Egoísmo no amor é o que não falta, pois há o amor doentio, ciumento, egoísta e castrador, como também há o desamor intensivo, com encontros burocráticos e sexo para cumprir tabela. Mas aí não é amor, sendo melhor nomear-lhe de outro modo.

Os dois extremos têm exemplos. Se de um lado há quem derrube uma criança para se salvar, há quem, em situações limite, arrisque a própria vida para dar a vez a gente e animais. Somos seres frágeis, de destino incerto, todos numa casca de noz em alto mar, num mesmo planeta, com seus recursos menores que as nossas necessidades. Deveríamos pensar no coletivo, mas, a maioria não quer dar nada, pois tem medo de que venha a lhe fazer falta. Assim, o país rico fica mais rico, e o miserável, mais miserável.

Fim de ano, época de ser solidário, ser mais feliz, dar mais sorrisos, fazer elogios verdadeiros, cumprir a palavra, não desrespeitar os outros, não atropelar, não vencer com deslealdade. Que os amigos ajam assim, e que os inimigos não usem de golpes baixos.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



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