O homem sem futuro
* Por
Gustavo do Carmo
Tinha uma família rica
em histórias. O tataravô fundou uma cidade na Alemanha e depois urbanizou um
bairro no Rio de Janeiro. O avô sobreviveu a um campo de concentração nazista. O
tio-avô foi aviador. Os pais se conheceram na faculdade e foram presos e
torturados pelo regime militar. O tio materno matou a esposa por ciúmes. A tia
paterna morreu num acidente aéreo. E o irmão mais velho, o único que tinha, foi
o primeiro brasileiro a ganhar uma medalha de ouro no ciclismo nas Olimpíadas.
Motivado por tantas
histórias que ouviu desde que começou a entender as coisas, Ricardo não hesitou
em fazer faculdade de História. Em cinco anos já estava formado. E
desempregado. Nunca conseguiu emprego. Nem como historiador, nem em nada.
Ricardo absorveu as
histórias da sua família durante trinta anos. Mas nunca aprendeu a contá-las.
Esquecia, gaguejava e quando contava, contava mal. Virou motivo de piada na
escola, na faculdade e até nas pós-graduações que fez. Neste caso, era criticado
pelas costas. Nunca conseguiu emprego por não saber se expressar.
Chegou aos
trinta e cinco anos com a conclusão de que, se ele herdou uma rica história
familiar, iria morrer sem deixar nenhuma história própria para as suas próximas
gerações, pois também nunca teve e jamais terá uma namorada E sequer um
sobrinho, pois seu único irmão morreu atropelado durante uma competição, sem
deixar filhos. Ricardo morreu sem histórias para contar, sejam boas ou ruins.
Foi um homem sem futuro.
* Jornalista e
publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias
que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos -
Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por
leitores
Ai que tristeza! Viveu e morreu em vão, mas pelo menos rendeu este conto.
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