quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O homem sem futuro

* Por Gustavo do Carmo

Tinha uma família rica em histórias. O tataravô fundou uma cidade na Alemanha e depois urbanizou um bairro no Rio de Janeiro. O avô sobreviveu a um campo de concentração nazista. O tio-avô foi aviador. Os pais se conheceram na faculdade e foram presos e torturados pelo regime militar. O tio materno matou a esposa por ciúmes. A tia paterna morreu num acidente aéreo. E o irmão mais velho, o único que tinha, foi o primeiro brasileiro a ganhar uma medalha de ouro no ciclismo nas Olimpíadas.

Motivado por tantas histórias que ouviu desde que começou a entender as coisas, Ricardo não hesitou em fazer faculdade de História. Em cinco anos já estava formado. E desempregado. Nunca conseguiu emprego. Nem como historiador, nem em nada.

Ricardo absorveu as histórias da sua família durante trinta anos. Mas nunca aprendeu a contá-las. Esquecia, gaguejava e quando contava, contava mal. Virou motivo de piada na escola, na faculdade e até nas pós-graduações que fez. Neste caso, era criticado pelas costas. Nunca conseguiu emprego por não saber se expressar.

Chegou aos trinta e cinco anos com a conclusão de que, se ele herdou uma rica história familiar, iria morrer sem deixar nenhuma história própria para as suas próximas gerações, pois também nunca teve e jamais terá uma namorada E sequer um sobrinho, pois seu único irmão morreu atropelado durante uma competição, sem deixar filhos. Ricardo morreu sem histórias para contar, sejam boas ou ruins. Foi um homem sem futuro. 

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores



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