Cuidado: não-venenoso
* Por Marcelo Sguassábia
- Quero todo mundo na minha sala agora. Eu disse agora!
- Nossa, o que é que aconteceu?
- Recebemos um lote enorme de veneno vencido, ou seja, não fatal.
Estamos rastreando todo o processo para detectar onde foi o erro e processar o
fornecedor.
- E como é que a gente faz agora? A história é contada milhares de vezes
por dia... se não tiver maçã envenenada, como é que vai ser?
- Pelas barbinhas dos sete anões, chefe! Isso aí é uma catástrofe de
dimensões mundiais.
- Cala essa boca, vai, não precisa ficar me lembrando disso. Eu sei o
quanto estou ferrado, os acionistas vão me cobrar explicações.
- Olha só, ligação de Singapura informando que o filme travou bem no
ponto em que a madrasta entrega a maçã para a Branca de Neve. Houve confusão no
cinema, tiveram que chamar a polícia, a plateia queria os ingressos de volta.
Tá feia a coisa por lá.
- Calma, calma pessoal. A gente sabe que, na história, o veneno não é
pra ser tão fatal assim. É só um nana-neném suficiente pra Banca ferrar no sono
até a chegada do príncipe. Podemos tranquilamente substituir o veneno por uns
dois ou três Lexotan de 6mg que dá no mesmo...
- Tá, mas o estrago está feito. Ou seja, onde quer que a história tenha
sido contada nos últimos dias, a coisa ficou sem pé nem cabeça. A
responsabilidade é nossa!
- Bom, aí já não é da alçada do meu departamento. Mas, daqui pra frente,
se acharem a ideia do Lexotan boa, eu conheço um pessoal que fornece o
genérico. Fica bem mais em conta. Até onde eu sei, eles têm um galpão lotado
pra pronta entrega, e a data de validade é pra 2016. Resolve o problema por um
bom tempo.
- Como saída emergencial, acho que pode ser. O problema é que a
tolerância da mocinha ao medicamento tende a aumentar. Mesmo dando mais
sossega-leão pra ela, a expectativa depois de algumas semanas é que ela
desperte antes da chegada do príncipe.
- Gente, notícias frescas do norte da Itália. A história estava sendo
contada hoje de manhã, para um grupinho de jardim da infância de uma aldeia.
Estão dizendo que a porca da princesa traçou a maçã até o talo, deu um baita de
um arroto, cuspiu as sementes na rua e foi multada por um fiscal da limpeza
urbana. A situação está fugindo do controle. Estamos desmoralizados. Os Irmãos
Grimm devem estar se virando nas catacumbas.
- Tem mais. Chegou um email de São Félix do Araguaia informando que a
Branca comeu a maçã, saiu pra rua e se enrabichou por um atendente do Subway
local. Ficaram conversando num banco de praça e tomando energético com tequila,
enquanto o príncipe chegava a todo galope. Ele arrombou a porta da casa dos
anões e, claro, não viu caixão nenhum. Começou a esbravejar, dizendo que aquilo
não estava no script e que ia pedir uma indenização milionária por danos
morais.
- Mais essa... cancela a compra do lote de Lexotan, ou então não vamos
ter grana para o acerto com o sacana do príncipe. Vamos tentar uma conciliação
no juizado de pequenas causas.
- Pequenas causas?? Só se a pendenga fosse com os anõezinhos. No caso do
príncipe, grandalhão do jeito que é, vai ser difícil. Fora que ele tem uma
renca de advogados reais.
- Se o advogado dele fosse bom mesmo, ele já teria escapado da história.
Ou conseguido um Habeas Corpus.
- Bom, lá isso é.
* Marcelo Sguassábia é
redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Acho melhor outra saída. Lexotan está dando amnésia no pessoal. Afora isto, a sugestão é boa.
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