quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Brilhante município planaltino no Contestado catarinense


* Por Nilson Cesar Fraga


Matos Costa, um pequeno município do Contestado, em Santa Catarina, já foi chamado de São João dos Pobres. Hoje, com o nome mudado, ainda se configura como uma das mais pobres cidades catarinenses. Mas isso se reflete apenas em números da economia e em índices dos mais diversos, pois, para quem visita, conhece e sente essa pequena cidade, o termo pobreza passa longe. Há, em Matos Costa, quatro das maiores riquezas do povo barriga-verde: a simpatia, o acolhimento, a hospitalidade e a simplicidade no trato com os que vêm de fora, fazendo dela uma das cidades mais ricas do estado – seu povo e sua luta diária, há mais de um século, é sua maior abastança, pois isso não tem como ser mensurado.

 Assim, falando a partir da alma e do coração, descreve-se um pouco do que se viu e se sentiu estando em Matos Costa no dia 19 de outubro de 2013.

Guiado por mim, um grupo de estudantes de Pós-graduação em Geografia (Mestrado e Doutorado), incluindo professoras do Curso de Direito e Serviço Social, estudantes de Iniciação Científica e a socióloga Edna Pereira da Silva, todos acadêmicos da Universidade Estadual de Londrina e trabalhos ligados ao Observatório do(s) Centenário(s) da Guerra do Contestado (OCGC-UEL/UFPR), com o objetivo de exploração geográfica, histórica e antropológica nos sítios de batalhas da Guerra do Contestado e dos Espaços Sagrados do monge São João Maria, foram percorridos 1.400 quilômetros por diversas cidades da Região do Contestado Catarinense, com destaque para Irani, Caçador, Lebon Régis, Porto União e Matos Costa, esta última será descrita na sequência.

Porém, antes de chegar a Matos Costa, no decorrer das atividades de campo, foi possível visitar o sítio histórico do Combate do Irani, a carneira do monge José Maria, a vala dos 21 e uma apresentação cultural com Vicente Telles e seu filho Vicentinho, que brindaram o grupo com uma opereta sobre a Guerra do Contestado. Em Caçador, explorou-se o importante acervo regional e da Guerra do Contestado no Museu mais bem estruturado sobre o processo de formação regional, onde fomos recepcionados pelo historiador Julio Corrente. Um dos pontos mais interessantes da viagem se deu no crematório de Perdizinha, local onde eram queimados os corpos de caboclos e soldados mortos em batalhas, que hoje se localiza no município de Lebon Régis.

O dia mais intenso de atividades de pesquisa ocorreu na pequena e hospitaleira cidade de Matos Costa, quando o grupo foi recepcionado, na Prefeitura Municipal, pelo prefeito Raul Ribas Neto e pelos secretários municipais de Desporto, Cultura e Turismo, Dalton Fagundes, de Indústria e Comércio Alvir Tomacheuski e de Ação Social, Elisangela Tibes, que deram as boas-vindas. O prefeito explanou, para os visitantes, sobre as dificuldades de gestão de uma pequena cidade com parcos recursos financeiros no interior do Brasil e, ao mesmo tempo, deu uma aula de gestão pública sobre como se organiza a vida em sociedade e se trabalha para o bem coletivo, neste caso, o povo matos-costense.

Faz-se necessário mencionar que o território do município de Matos Costa era originalmente pertencente ao de Porto União da Vitória, sendo que, em 9 de maio de 1910, instalou-se o Distrito de São João, em terras contestadas entre os estados do Paraná e Santa Catarina, e com o acordo de limites de 1916, a vila de São João passou para a jurisdição catarinense de Porto União, passando a se chamar São João dos Pobres.

Durante a Guerra do Contestado, a pequena vila de São João dos Pobres foi várias vezes atacada, mas o mais famoso ataque se deu em 1914, ocasionando a morte do capitão João Teixeira de Matos Costa. Só em 15 de setembro de 1917, por meio da Resolução nº 37, a vila de São João dos Pobres passou à condição de distrito e, com a construção da nova Estação Ferroviária, pois a antiga havia sido queimada, São João dos Pobres passou a denominar-se Matos Costa, em homenagem ao capitão morto.

Na sequência, aos viajantes foi servido um almoço baseado na culinária cabocla, no Restaurante Tibes, comida reforçada, visto que se teria uma tarde de caminhada por vários sítios históricos municipais.

A partir da estação denominada Matos Costa, o grupo caminhou sobre os trilhos da extinta EFSP-RG por alguns quilômetros, e o jornalista João Batista Ferreira dos Santos, conhecido como JB, foi apresentando a cidade e algumas curiosidades, tais como, a vassourinha – famosa erva dos chás do monge São João Maria. Por terrenos íngremes, foi-se caminhando até o traçado original da EFSP-RG, visto que ele foi modificado e melhorado com a criação da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (RVPRSC). Dali, a caminhada continuou por alguns minutos, até alcançar a sombra de uma vistosa araucária, quando foi possível ouvir as palavras de um antigo vereador e prefeito de Matos Costa, o Sr. Nelson Castilho, que acompanhou o grupo juntamente com seu filho Adilson Castilho e mencionou as dificuldades para se administrar uma cidade sem acesso asfáltico, pobre e pequena, nos idos dos anos de 1970 e 1980, mas que, sob a sua gestão, foram construídas 18 escolas e outras obras sobre o território municipal. Ouvir a experiência do ex-prefeito permitiu aos estudantes viajarem no passado e entenderem um pouco do processo de formação socioespacial de Matos Costa.

Das sombras da araucária, o grupo rumou para o local onde, em 1914, numa emboscada em plena Guerra do Contestado, soldados e "jagunços" se enfrentaram, ocasionando a morte do capitão Matos Costa, que hoje dá nome à antiga São João dos Pobres. Tal combate épico ainda causa controvérsias, pois a emboscada ainda se encontra envolta pelas brumas de tal batalha, visto que, oficialmente, teriam sido os caboclos os responsáveis pela armadilha histórica contra o único militar que possuía uma visão social sobre a situação vivida pelos caboclos do Contestado.

Na sequência o grupo rumou para o Pocinho de São João Maria, uma vertente de água atribuída como milagrosa pela população, juntamente com o cruzeiro ereto pelo monge. Localizado numa propriedade composta por pastagens e araucárias, esse espaço sagrado foi escolhido pelos excursionistas para registrar, por meio de uma fotografia do grupo, onde todos, segurando bandeiras do Contestado e dos povos originários, se reuniram para eternizar o momento histórico: o do primeiro grupo de estudantes de Pós-graduação em Geografia da UEL que esteve em trabalho de campo na região do Contestado.

Deste espaço sagrado do Contestado, a caravana seguiu para o local onde ficava, desde meados do século XIX, o Quilombo do Rocio que, estabelecido sobre um morrote, ainda é possível ver os restos da edificação da igreja do Quilombo e um grande pedaço de madeira que ornava a construção, com uma grande cruz. Um dos últimos pontos visitados foi o cemitério do mesmo Quilombo, tido como o cemitério antigo de São João dos Pobres, um espaço cercado por um muro de taipa e repleto de túmulos e carneiras, onde se verificam datas que remetem à metade do século XIX. Cercado de pínus, o cemitério é cuidadosamente mantido pela atual administração municipal, aliás, a atual gestão tem se desdobrado em esforços para a manutenção e salvaguarda de todo esse patrimônio material de Matos Costa.

Por fim, o grupo retornou à prefeitura, acompanhado pelo jornalista JB, onde o prefeito Raul os aguardava para saber como havia sido a caminhada de meio dia sobre os principais pontos históricos municipais. Depois de uma longa conversa de agradecimentos, propostas e debates, o gestor matos-costense se despediu dos visitantes da UEL que, imediatamente, seguiram viagem para Porto União, cidade mãe de Matos Costa.

Nas Gêmeas do Iguaçu, Porto União – SC e União da Vitória – PR, foi explorada a estação da antiga EFSP-RG e, a partir dela, se fez uma caminhada pelos trilhos de trem até a Praça do Contestado, inaugurada em 2012, para memorar o centenário da Guerra do Contestado. Mas, ali mesmo, foi possível verificar o Contestado secular, por meio das políticas públicas das cidades gêmeas, uma vez que a praça, a estação e o parque linear da estrada de ferro possuem diferenças infraestruturais no que concerne ao planejamento local, onde, cada cidade, mesmo sendo uma só mancha urbana, faz suas obras e seus planejamentos.

Em Porto União foram encerradas as atividades de campo pela região da Guerra do Contestado, com uma visita ao Parque do monge João Maria, um espaço de devoção, romarias e sagrado desde o século XIX. Dali, o grupo retornou para Londrina, com os cadernos de anotações cheios de informações geográficas, históricas e antropológicas do Contestado – da terra, do território e do povo que habita aquela região desde tempos imemoriais.

Há que se salientar que a realização desse trabalho de campo só foi possível graças à sensibilidade e ao prestimoso apoio do Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina, Prof. Dr. Mário Sérgio Mantovani, que disponibilizou o ônibus, permitindo, assim, a realização dos trabalhos de pesquisa. O grupo que viajou para o Contestado agradece a hospitalidade e o carinho por parte do prefeito Raul Ribas Neto, do jornalista João Batista Ferreira dos Santos (JB) e seus filhos, do ex-prefeito Nelson Castilho e seu filho Adilson, Vicente e Vicentinho Telles, Márcia Schuler e demais autoridades, estudiosos e músicos contestadenses. Cumpre agradecer aos motoristas Alex Rubo de Sá e José Airton Pereira, da UEL, que tão bem conduziram a viagem pelas terras outrora manchadas de sangue, pelo genocídio do Contestado.

Porém nossos agradecimentos mais profundos se estendem aos munícipes de Matos Costa, por meio da atual gestão municipal, que não mediu esforços para que nossa estada na cidade e visita aos sítios históricos acontecessem. Nossa mais profunda gratidão – Nilson Cesar Fraga, Alexandre Orsi, Ana Cláudia Duarte Pinheiro, Camila Freres D. Mascarenhas, Fernando Fenrique M. de Moura, Carla Maria Freres Stipp Baptista, Edgar Henrique de Castro, Edimar Eder Batista, Edna Pereira da Silva, Evandro Gabriel Arcanjo, Gilberto Pereira Rocha de Godoi, Heitor Matos da Silveira, Juliana Santiago de Freitas, Leandro Garcia Niehues, Marcos Antonio Cury Harfuch, Naibi Souza Jayme, Paulo Henrique Marques de Castro, Rodolfo Rodrigues de Souza, Sandra Maria Almeida Cordeiro, Sérgio Kaoru Nakashima, Valquíria Pires Garcia, Viviane Custódia Borges.

* Geógrafo, Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia – UEL Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia – UFPR. Coordenador do Observatório do(s) Centenário(s) da Guerra do Contestado

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