quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Vomitando porcas e parafusos

* Por Fernando Yanmar Narciso

Mesmo que a família tivesse suas reuniões em época de copa do mundo para assistir aos jogos do Brasil ou para ver os saudosos domingos de pódio de Ayrton Senna, na infância eu não era possuidor de paciência ou atenção suficiente para ficar sentado diante da TV por duas horas, vendo marmanjos correndo atrás de bola ou um piloto dando centenas de voltas na pista. No entanto, bem que tentei absorver o frenesi da Fórmula 1 no início dos anos 90, quando Senna foi tricampeão. Colecionei carrinhos, a revista em quadrinhos do Senninha, o famoso joguinho de cartas Super Trunfo da edição de carros de F1, até li um livro enorme em dois volumes contando toda a história do automobilismo, desde o Ford Modelo T.

Corrida de carros não é um esporte pra qualquer um. Parece mais o tipo de coisa que o Coiote faria para pegar o Papa-léguas, não acham? Quer dizer, o que fariam se alguém te acordasse de madrugada e dissesse que vocês iriam dar 100 voltas a 300 Km/h, praticamente deitado em cima de um motor V-8, contando (na época de Senna) com não mais que um capacete e um cinto para tentar evitar sua morte? Sem exageros, qualquer momento em que o piloto entrava no cockpit nas primeiras décadas da categoria poderia ser seu último.

Por isso as vitórias de Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna representaram tanto para nós, pois naquele tempo era de fato o piloto quem vencia o GP, não a escuderia. Os brasileiros amam Senna porque ele era raçudo e inconsequente, desafiava constantemente as ordens da escuderia e fazia o impossível para conduzir seu monte de sucata à vitória! Ele foi tão importante que réplicas de seu famoso boné azul do Banco Nacional continuam sendo vendidas na internet, mesmo que o banco já tenha falido.

Mas, desde a morte de Senna em 1994, qualquer tentativa de emplacar uma nova sensação nacional no esporte foi em vão. Os pilotos apadrinhados por nosso pé-frio oficial, Galvão Bueno, não cansam de nos desapontar. De tal maneira que, há uma semana, o site Terra lançou uma votação para que decidíssemos quem foi o piloto brasileiro mais decepcionante da era pós-Senna. Sem surpresas, Rubinho Barrichello, Felipe Massa e Nelsinho Piquet chegaram ao pódio, tecnicamente empatados. E, como vivemos na era do ódio, os cavalheiros usuários do site não perderam a chance de detonar nossos “astros das curvas”.

Eles se esquecem que a Formula 1 é simplesmente a elite das fábricas de carros, a principal vitrine do futuro do automobilismo. Quem assina um contrato com a Mclaren ou a Ferrari fez por merecer o convite, pois o piloto precisa ter inúmeros conhecimentos de mecânica, física e aerodinâmica antes de vestir o macacão- exceto é claro, por Valentino Baldoni, o legendário test-driver da Lamborghini.

Mesmo se você bater o carro ou for o último colocado na pista, é um piloto de F1 e continua na Asgard do automobilismo! Por outro lado, vamos pensar por um instante em como é a F1 de hoje. Os tempos de “só piloto e motor” ficaram para trás há uma década. Os carros modernos são praticamente drones sobre rodas de tão computadorizados e autônomos que são. Fica uma pergunta no ar: Sendo bom piloto ou não, será que o torcedor brasileiro respeitaria mais o Barrichello se ele também fosse mal-ouvido com a escuderia e fizesse de tudo para chegar em 1º lugar, como Senna fazia?

Posso não gostar muito de esportes, mas ficção científica é o meu elemento! Desde os seis anos uma de minhas grandes paixões são os heróis japoneses. Como qualquer moleque de minha idade, ficava mesmerizado com os policiais do espaço com suas armaduras reluzentes e aqueles robôs “gigantes” pisoteando maquetes e usando a espada laser- que poderia ter sido usada desde o início da batalha- para desferir o golpe de misericórdia no monstro gigante. Sei que controlar aquelas caravelas mecânicas seria humanamente impossível no mundo real, mas em meus tempos áureos não havia coisa que eu ou meus amigos quiséssemos mais que apertar os botões da cabine do Daileon, robô do Jaspion.

Então, tive razão por não ficar surpreso neste ano, em que quase todo filme de ficção científica de alguma forma envolveu armaduras e robôs gigantes. Isso considerando que Hollywood não costumava dar muita bola para monstros e robôs até 2007, quando o remake de Transformersfoi lançado, tornando sua linha de brinquedos novamente um fenômeno cultural. Por mais bobinha que pareça, a ideia da existência de robôs alienígenas que encarnam em veículos comuns da Terra e se movimentam sem a necessidade de um piloto tem muito apelo em nosso imaginário, pois de certo modo, isso vem se tornando uma realidade. A ciência já estuda substituir, em questão de uma década, soldados humanos por máquinas autônomas em guerras, como em Star Wars.

Na verdade, o mundo mudou radicalmente quanto à nossa relação com as máquinas. O que podemos esperar de um país que comanda bombardeios ao redor do planeta com caças não-tripulados? A covardia da era Obama é tamanha que eles nem se importam mais em ficar cara a cara com o alvo... A tecnologia drone pode ser vista até dentro de nossas casas, em brinquedinhos como cachorrinhos-robôs que reagem à nossa voz ou o aspirador de pó programável, que limpa a casa sozinho. Ainda não vivemos como os Jetsons, mas estamos quase lá. Arriscaria um palpite que os pilotos de carros de hoje exercem uma função meramente simbólica no cockpit, e os carros talvez sejam guiados à distância pela escuderia. Com a tecnologia moderna, nem se a vida do Rubinho dependesse disso, nossa amada bucha de canhão conseguiria desobedecer a Ferrari e “matar o alemão” na marra.

*Designer e escritor. Sites:


Um comentário:

  1. Passou de um assunto a outro e voltou, amarrando bem no final. Ficou muito interessante e mesmo quem discorda de você fica tentado a ler até o fim.

    ResponderExcluir