quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Ser civilizado é normal

* Por Mara Narciso

Nas novelas os inimigos se encontram a toda hora, trocam farpas e tapas, berram e se insultam. Há pessoas tão habituadas com esse tom de guerra, que nas suas vidas se utilizam do mesmo expediente, falando de modo arrematado, destruindo o outro com estupidez. O modo hostil de ser cansa, e o “guerreiro” nem percebe isso. Não há vantagem em medir forças com maridos, namorados e parentes, como se estivessem numa rinha. Desgastam-se à toa. Bons modos são atos civilizatórios que facilitam o entendimento, e evitam gastos de energia. Numa batalha campal, todos perdem.

Os desenhos animados apresentam um diálogo estranho e tenso. Sem contar que as dublagens têm uma linguagem muito diferente do real. Não vejo pessoas falarem daquele modo caricato. Lá, os inimigos resolvem suas diferenças com pancada. A frustração é mal recebida. Contra ela, mais violência. A agressividade é mostrada como característica positiva. Aqui fora funciona melhor de outro jeito.

Boas maneiras fazem bem à vida em comum. Quem já tem uma educação básica busca se aprimorar nos campos financeiro, social, intelectual e também em relacionar-se melhor. Palavras como “com licença”, “por favor” e “obrigado” não se aposentaram, embora aqueles que primam pela grosseria - existem aos montes e indicam logo a qual classe pertencem-, achem perda de tempo tratar bem aos seus pares. Ser agressivo não é buscar seus direitos, é ser mal-educado.

Conviver num lugar tranquilo é muito melhor. Tão bom jantar em família, compartilhando o alimento, dividindo o prazer de estar juntos. Comer num ambiente harmônico, seguindo regras sociais básicas indica polimento. Os pais procuram ensinar aos pequenos como portar-se à mesa, sem colocar os cotovelos sobre ela, usando corretamente os talheres e copos, comendo em pequenos bocados e de boca fechada. E sem fazer ruído ao mastigar. Para a digestão ser tranquila é preciso evitar discussões e falar de assuntos graves como dívidas e doenças. Bom quando se pode desligar a TV, pois dela vem uma torrente de más notícias. Banal, mas um cuidado necessário.

A higiene corporal é um sinal de civilidade, buscando-se estar asseado, com roupas limpas, depilado, com odor suave, unhas e cabelos bem tratados, bom hálito e sem nenhum cheiro desagradável. Ficamos imaginando o tempo em que não havia sanitários, papel-higiênico, sabonete, absorvente, desodorante, pasta e escova-de-dentes. Acabamos por nos tornar escravos desses confortos, e quando vamos a uma roça e chupamos manga, queremos logo um fio-dental e uma escova. A frescura deve ser esquecida, nesses casos, e como se diz, em cada lugar um modo de ser, embora continuar buscando por modos educados.

O uso comum do banheiro costuma ser uma guerra. Respingos de pasta pelo espelho, papel jogado de todo jeito, descarga esquecida, cabelos no sabonete, toalha molhada, roupas largadas. O ideal é que cada um tenha o seu, mas se isso não for possível, deixar o local melhor do que quando entrou, especialmente nos banheiros públicos. São atos necessários, porém esquecidos. Locais finos são usados por pessoas toscas que deixam o ambiente empesteado, e o fazem por desprezo ao outro, aquele que vai limpar a área. Descaso em seu estado cristalino.

Todos sabem e muitos dizem cumprir. Na hora de dormir, deve-se primar para não incomodar o colega de quarto, caso ele exista. Como se já não bastassem os pernilongos e os barulhos de vizinhos mal-educados, com seus cachorros que latem a noite toda, ou que ligam suas máquinas barulhentas, quem está na casa deve procurar fazer silêncio após o outro se deitar. É norma primordial das mais desrespeitadas. TV ligada no quarto, enquanto o outro dorme, é fonte permanente de irritabilidade. Uma agressão desnecessária.

Os rituais não são coisas do passado. A sofisticação eleva o espírito. Cumprir o que se prometeu e manter a palavra é de bom tom. Cuidar de você, da casa, do carro, da família, dos amigos e colegas é ainda melhor. Ser meigo não é ser fresco, e amabilidade nunca é demais. Listinha de boas práticas cansa, mas cumpri-las não é tão difícil assim. Tão óbvio quanto ignorado, o tempo das cavernas passou, e boa educação só faz bem.


*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”    

3 comentários:

  1. Em resumo: se a norma é ser incivilizado, o título poderia mudar para "Ser civilizado é anormal"! Ótimo texto, Mara.

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  2. Regras de boa conduta deveriam ser seguidas incondicionalmente, como "reza" sua cartilha, não é mesmo, Mara? Mas infelizmente não é o que vivenciamos no dia a dia... especialmente em lugares públicos. Parabéns pelo excelente texto!!

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