Eu vi
* Por
Jair Lopes
Lembro que mais do que realmente ver, eu sentia os eventos, era como um
filme em 3D estivesse sendo projetado diretamente no meu cérebro. Era a
História do Universo que se desenrolava ao alcance, se não dos meus olhos, pelo
menos da minha mente ou de algum outro sentido que não sei definir. Era a
história da matéria que despertava à minha frente quase ao alcance da mão. O
Universo nascia num meio onde nada havia, um zero absoluto cercado de vazio. No
início surgiram as partículas simples, sem estrutura. Como bolas de bilhar num
movimento browniano, elas se contentavam em se deslocar e entrechocar-se.
Depois, nas etapas seguintes, essas partículas se combinam e se associam.
Começam a surgir as arquiteturas do que viria a ser matéria mais complexa e,
talvez, atuante em algum sentido.
Sentia-me como sentado num gramado macio a beira de um bosque, olhando
para o céu. Em meu campo de visão as árvores balançam ao sabor do vendo como a
embalar seus frutos como filhos que se embalam para dormir. Eu escutava o tempo
que, em absoluto silêncio, realizava sua grandiosa obra, transcendentalizava.
Essa escuta aplicava-se ao todo, ao Universo. Pois é no fio do silencioso tempo
que se desenrola a gestação cósmica. A cada fração o Universo se revela mais e
mais complexo, as suas fímbrias, lentamente, perdem-se alhures, não há
horizontes. Como espectador deste desenrolar dos acontecimentos primevos e
primordiais, eu sabia que minha missão era testemunhar o aparecimento de novos
elementos cósmicos e novos seres ao cabo.
Então aplaudi o nascimento dos primeiros átomos. Deixando os braseiros
estelares, os núcleos recém nascidos “vestem-se” de elétrons e formam os
primeiros átomos. Assim começa a evolução química. Os átomos se aliam em
moléculas e poeiras interestelares, e essas poeiras, reunidas em torno de
estrelas em formação dão origem aos planetas. Alguns desses planetas em
convoluções adquirem mares e atmosfera; ali a evolução química, catalisada por
essas novas condições, se acelera, criando moléculas que flutuam numa sopa primordial.
De química a evolução torna-se biológica e produz células e seres vivos. Eu vi.
Em alguns momentos me senti inquieto, havia crises e distorções nesta
suposta ascensão. Não percebia eu que o Cosmo, como ser vivo que é, se
contorce, se expande, se contrai e se acalma em vários movimentos quase sempre
inexplicáveis. Em certos momentos especialmente instáveis, parecia que tudo era
um grande engano e o frágil equilíbrio que existia implodiria em caos
irremediável. Mas o Universo, apesar de hesitar e recuar algumas vezes, se
reinventava e continuava seguindo adiante.
Eu me perguntava: onde nos levará esse caminho? Hoje a física nuclear
nos permite conhecer a evolução nuclear. Ela nos explica como, a partir
daquelas partículas nucleares que as vi nascerem, milionésimos de segundo após
o que se convencionou chamar de Big bang, se formaram os primeiros
núcleos atômicos no ventre incandescente das estrelas. Lançados como projéteis
para o espaço pejado de partículas primordiais, os núcleos revestiram-se de elétrons.
Atualmente a radioastronomia e exobiologia molecular nos permitem reconstruir
as grande fases da evolução química das estrelas e o surgimento dos planetas
primitivos. E, finalmente, seguindo as revelações de Darwin, somos capazes de
percebermos, erguendo-se a nossa frente, a grande árvore da vida: a
evolução biológica que nos leva à inteligência humana que permite deslindar
esses mistérios da natureza.
Enquanto eu assistia esse drama como em uma tela panorâmica com imagens
em 3D, me assaltava a pergunta: esse caminho rumo à extrema complexidade
termina no homem? Santa ingenuidade. De sã consciência não há como afirmá-lo,
não nos é permitido achar-nos o ápice da criação. O coração do Universo
continua a bater no mesmo ritmo. A força inicial continua com impulso rumo ao vir
a ser. O sentido inicial é o mesmo e o nível da complexidade não é possível
de ser avaliado. É até viável que em outros planetas se tenham processado
avanços muito maiores, e que em outros mais, o impulso vital só agora se faça
sentir. Não nos é lídimo assegurar que somos únicos, como que privilegiados por
uma natureza tão pródiga em outros misteres. Como em “2001 uma odisséia no
espaço”, que futuro desconhecido a gestação cósmica prepara para nós? Que somos
oriundos de primatas sabemos, mas o que nascerá do homem?
*
Escritor, autor dos livros “O Tuaregue” e “A fonte e as galinhas”.
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