Que fim levou minha amiga Palmyra?
* Por Daniel Santos
De
todos os amiguinhos da escola primária, lembro com exatidão da menina Palmyra,
cujas tranças enfeitadas com laçarotes de organza eu gostava de puxar só para
vê-la com aquele encantador beicinho de birra.
Minha
admiração ia, no entanto, além disso, porque ela era craque numa área em que me
acostumei a reinar sozinho: a do idioma. Mas, enquanto eu escrevia
corretamente, ela, talentosa, inventava palavras.
Cresci,
por isso, com a certeza de que, em breve, ela se tornaria escritora, uma dessas famosas que lançam seus
livros em noites de autógrafos e dão entrevistas na tevê e têm óculos com aro
de tartaruga.
Acontece,
no entanto, que o destino pode ser decepcionante. Assim, aqueles que nos
causaram, um dia, grande admiração podem desaparecer na esquina sem deixar
vestígios, em contrariedade à nossa expectativa.
Foi
o caso de Palmyra. Tanto quanto saiba, não há escritora com seu nome na lista
dos best-sellers, sequer no elenco das editoras. Portanto, é fato: a amiguinha
evadiu-se anônima pelas ruas dispersivas da vida.
E
ela não merecia o anonimato! Porque inventou palavras de que ainda me recordo.
Quando, por exemplo, viu o vento no
matagal ao lado da escola, gritou para a turma toda: “Ih, gente, vem aí
um ventagal!”
Todos
riram, menos eu, por adivinhar naquela tirada um sinal do tal talento que, afinal, se frustrou. Dias
depois, em conversa com a professora, disse que, de tanto fazer ginástica, sua
irmã se tornara uma “pernóstica”.
Dona
Terezinha estranhou. Quem neste mundo se tornaria afetada, em virtude de
exercícios físicos? Mas Palmyra logo explicou, com hilária ingenuidade, que a
irmã era pernóstica, “porque tinha as pernas grossas”.
Só
não entendeu por que a professora riu-se de sacolejar minutos inteiros e,
depois, certamente encantada com as invencionices da sua aluna mais traquinas,
apertou-a num abraço de tirar o fôlego e deu-lhe um beijo.
Que
saudade! Sabíamos tanto que tirávamos humor até dos próprios erros. Hoje ...
Que língua estamos falando? Ninguém mais sabe! Talvez, por isso, Palmyra sumiu:
impossível criar em meio a tanta indigência.
* Jornalista carioca.
Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São
Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de
"O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995,
Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002,
Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca
Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
Que bonita homenagem. Eu também quero conhecer Palmyra.
ResponderExcluirQue lindo Daniel fez lembrar-me dos diálogos de meu filho com três anos e um senhor de uma certa idade chamado de Mirabô e não é que eles se entendiam e riam...
ResponderExcluirAbraços