segunda-feira, 11 de março de 2013


Que fim levou minha amiga Palmyra?

* Por Daniel Santos


De todos os amiguinhos da escola primária, lembro com exatidão da menina Palmyra, cujas tranças enfeitadas com laçarotes de organza eu gostava de puxar só para vê-la com aquele encantador beicinho de birra.

Minha admiração ia, no entanto, além disso, porque ela era craque numa área em que me acostumei a reinar sozinho: a do idioma. Mas, enquanto eu escrevia corretamente, ela, talentosa, inventava palavras.

Cresci, por isso, com a certeza de que, em breve, ela se tornaria  escritora, uma dessas famosas que lançam seus livros em noites de autógrafos e dão entrevistas na tevê e têm óculos com aro de tartaruga.

Acontece, no entanto, que o destino pode ser decepcionante. Assim, aqueles que nos causaram, um dia, grande admiração podem desaparecer na esquina sem deixar vestígios, em contrariedade à nossa expectativa.

Foi o caso de Palmyra. Tanto quanto saiba, não há escritora com seu nome na lista dos best-sellers, sequer no elenco das editoras. Portanto, é fato: a amiguinha evadiu-se anônima pelas ruas dispersivas da vida.

E ela não merecia o anonimato! Porque inventou palavras de que ainda me recordo. Quando, por exemplo, viu o vento no  matagal ao lado da escola, gritou para a turma toda: “Ih, gente, vem aí um ventagal!”

Todos riram, menos eu, por adivinhar naquela tirada um sinal do tal  talento que, afinal, se frustrou. Dias depois, em conversa com a professora, disse que, de tanto fazer ginástica, sua irmã se tornara uma “pernóstica”.

Dona Terezinha estranhou. Quem neste mundo se tornaria afetada, em virtude de exercícios físicos? Mas Palmyra logo explicou, com hilária ingenuidade, que a irmã era pernóstica, “porque tinha as pernas grossas”.

Só não entendeu por que a professora riu-se de sacolejar minutos inteiros e, depois, certamente encantada com as invencionices da sua aluna mais traquinas, apertou-a num abraço de tirar o fôlego e deu-lhe um beijo.

Que saudade! Sabíamos tanto que tirávamos humor até dos próprios erros. Hoje ... Que língua estamos falando? Ninguém mais sabe! Talvez, por isso, Palmyra sumiu: impossível criar em meio a tanta indigência.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.


2 comentários:

  1. Que bonita homenagem. Eu também quero conhecer Palmyra.

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  2. Que lindo Daniel fez lembrar-me dos diálogos de meu filho com três anos e um senhor de uma certa idade chamado de Mirabô e não é que eles se entendiam e riam...
    Abraços

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