sexta-feira, 23 de abril de 2010


Poeta rebelde, com causa...

Caros leitores, mais uma vez, boa tarde.
Há duas espécies principais de rebeldia: uma negativa e deletéria, e outra positiva e até desejável. Existe aquela caracterizada por um nihilismo furioso e cego, que quer destruir tudo e todos, para recomeçar do zero, ou nem isso, mas sem apontar alternativas minimamente exeqüíveis e viáveis. E há, em contrapartida, a que propõe soluções para modificar situações nitidamente ruins, mas passivas de conserto. Não é, pois, nihilista, mas reformista.
É este o tipo de rebeldia que detecto no poeta Nicolas Behr, ou Nikolaus von Behr, seu nome de batismo. Rebelde, sim, mas com causa, idéias, alternativas e soluções. Trata-se de um dos mais legítimos representantes da chamada “poesia marginal”, ou de protesto, de Brasília. E sua rebeldia se reflete não somente em seus versos, que prescindem dos cânones e regras vigentes para sensibilizar, mas, sobretudo em sua vida, em suas ações e iniciativas. Por isso, é considerado muito mais do que um indivíduo, digamos, meramente excêntrico, idealista e sonhador.
Nicolas Behr é um dos quatro poetas citados como protótipos da vertente “marginal” por J. R. de Almeida Pinto em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”. Aos 52 anos de idade, esse matogrossense de Cuiabá já viveu 26 anos, ou seja, metade da sua vida, no Distrito Federal, para onde se mudou em 1974, no auge da ditadura militar. Filho de fazendeiros, fez o curso primário com os padres jesuítas em Diamantina, no seu Estado natal.
Seu primeiro livro de poesias foi, de cara, best-seller. Mas não se tratou de nenhuma edição convencional, caprichada, dessas com ilustrações, feita com requintes por alguma das grandes editoras do País. Até nisso (ou principalmente nisso), mostrou-se criativo, original, inventivo e, sobretudo, com espírito de iniciativa. Tratou-se de um livreto artesanal, mimeografado, que lançou em 1977, feito nas dependências do Colégio Setor Leste, em Brasília, onde estudava. Behr deu-lhe o sugestivo título de “Iugourte com farinha”.
Esta “estréia” literária ocorreu por ocasião da morte do ídolo do rock, Elvis Presley, do qual era fã e que chocou o mundo todo. Muitos acreditam, até hoje, que o astro não morreu e que apenas se afastou das vistas do público. Tolice, claro. Na mesma época, completava-se exato um ano da até hoje não bem esclarecida morte do fundador de Brasília, Juscelino Kubitschek de Oliveira, num suspeitíssimo “acidente” de automóvel ocorrido na Via Dutra.
Essa obra de estréia de Nicolas Behr, rústica, barata, artesanal e até feia, no entanto, foi estrondoso sucesso. Vendeu como água. Por que? Porque tinha conteúdo. Em um curtíssimo espaço de tempo, oito mil exemplares foram parar em mãos de leitores, isso sem propaganda, sem exposição em vitrines de livrarias e sem nenhum outro tipo de ajuda para a divulgação. As vendas foram na base do “boca a boca”, ou seja, um recomendando para o outro e este para outro ainda e assim sucessivamente. Como se vê, Nicolas começou com o pé direito sua vitoriosa carreira de escritor.
Em 1978, tentou repetir a dose. Desta vez, todavia, se deu mal, muito mal. Acabou preso pelo malfadado Departamento de Ordem Política e Social, o tristemente célebre DOPS, acusado de posse de “material pornográfico”. A prisão ocorreu quando tentava vender seu novo livro, “Grande circular, caroço de goiaba e chá com porrada”, utilizado a mesma estratégia do anterior.
Na verdade, esse esdrúxulo motivo alegado pelos agentes da ditadura para detê-lo não passou de um pueril pretexto. O verdadeiro motivo da prisão de Nicolas foi a irritação que suas atividades de líder estudantil causou nas autoridades de segurança, julgadas subversivas. Um ano depois, porém, nosso poeta marginal e rebelde foi julgado e absolvido, podendo voltar às ruas.
Nicolas Behr nunca abriu mão do seu ativismo em defesa de causas como liberdade, igualdade, justiça social e preservação do meio ambiente, entre tantas. Foi o fundador, por exemplo, da primeira Organização Não-governamental (ONG) de cunho ambientalista, o Movimento Ecológico de Brasília (MOVE), contando, nessa empreitada, com a parceria de Zunga e Lacerda, outras figuras conhecidíssimas na Capital Federal.
Em 1987, o poeta quis tentar a sorte no Exterior. Foi morar em Washington, DC, nos Estados Unidos, mas não tardou a regressar à sua Brasília. Desde 1991, fez de um simples hobby, ou seja, da produção de mudas de plantas típicas do cerrado, seu meio de vida. Produz e vende espécimes nativos do Brasil Central, como palmeiras e árvores frutíferas e ornamentais da região.
Depois de um longo jejum, voltou a publicar, a partir de 1993, agora em editoras convencionais. A obra que lançou nesse ano tinha o sugestivo título de “Porque construí Braxilia” (isso mesmo, com “x”). Antonio Miranda avalia da seguinte forma a arte de poetar deste fascinante “rebelde com causa”: “A poesia de Nicolas Behr parece espontânea e simples. Nem tanto. ‘Achado’, depois de muito rebuscar, de muito caminhar... como os artefatos do Nicanor Parra que, ao perseguir o simples, o banal, é tão sofisticado, coloquial na aparência, mas cru e sarcástico no fundo, leve e breve, mas nunca simplório nos melhores momentos”.
Parte das suas poesias sequer tem títulos. Como este poema, que diz: “boa viagem meus amigos/que todos os dias/pegam esses ônibus lotados/que vão para taguatinga,/gama, planaltina...//boa viagem meus amigos/que vão em pé, sentados,/dormindo//sonhando chegar em casa/antes da novela começar”. Ou como este: “brasília nasceu/se um gesto primário/dois eixos se cruzando,/ou seja, o próprio sinal da cruz/como quem pede bênção/ou perdão”. Ou este: “crie coragem/e troque de nome;/cidade jk//que talvez assim o mereça”. Ou este: “joga a chave, meu bem/joga o síndico também/joga logo o jorge/joga o bloco, meu bem/joga a janela, meu bem/joga o pára-quedas também/joga teu corpo, meu bem//antes que o porteiro/avise o zelador”.
Antonio Miranda, portanto, tem ou não razão ao afirmar que a poesia de Nicolas Behr apenas aparenta ser simples, sendo, na verdade, posto que visceral e realista, sofisticada e, sobretudo, muito bem tecida por este incorrigível rebelde com causa?

Boa leitura.

O Editor.

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