sexta-feira, 23 de abril de 2010







“Como autor, meu sonho é o de todos aqueles escrevem: ser lido, reconhecido e, quem sabe, um dia estudado”

E
le é dotado de um texto elegante e vigoroso, posto que preciso e detalhado. Os enredos de seus contos são, via de regra, ao mesmo tempo excitantes e intrigantes, e com desfechos surpreendentes, como os dos melhores contistas da atualidade, categoria em que está, sem nenhum exagero, inserido, e com destaque. Seus personagens, mesmo que muitas vezes problemáticos e excêntricos, são verossímeis, marcantes e reais. Refiro-me, vocês já devem ter percebido, ao jornalista e Escritor (com “E” maiúsculo) Eduardo Jener Murta, nosso entrevistado desta semana. É colunista deste espaço desde 2007 e publicou, no Literário, 185 produções inéditas, todas histórias fortes. originais e belas, como “Cantem e bebam à minha morte”, “Um gol para o guerreiro”, “Há vagas para anjos-da-guarda”, “Doei até meus ossos pelo eterno amor”, “Do pão se fez sonho e comunhão” e “Reservo uma pétala só para ti”, entre tantas e tantas e tantas outras. Alguns de seus contos revestem-se de tamanho lirismo e ternura, que são autênticos poemas em prosa, o que deixa evidente sua inequívoca vocação poética, que, aliás, ele confessa, de fato, ter (como se isso fosse preciso!). Até a presente entrevista é ilustrativa, memorável e deliciosa de se acompanhar. Confiram. Conheçam um pouco mais deste vigoroso jornalista e criativo escritor lá das Gerais, que certamente apenas confirmará toda a impressão positiva que ele nos despertou ao longo de três anos.

Literário – Trace um perfil resumido seu, destacando onde e quando nasceu, o que faz (além de literatura) e destaque as obras que já publicou (se já o fez, claro).

Eduardo Murta – Sou mineiro do Vale do Jequitinhonha, de uma pequena cidade chamada Virgem da Lapa. Nasci ali em setembro de 1963, numa primavera. Antes que eu completasse 2 anos, minha família se mudou para Belo Horizonte, que, no fundo, considero minha cidade do coração. Cresci no Bairro Santa Efigênia, ainda com ruas sem calçamento, jogando bola, tentando soltar papagaio (nunca aprendi), num tempo em que menino ainda podia brincar com segurança. Sou filho de uma professora e um comerciante, numa família de 12 filhos. Eu sou o caçula. Daí crescendo ouvindo de todas as vertentes musicais que se possa imaginar - de Carlos Galhardo, Bienvenido Granda, Nat King Cole, Connie Francis a Cantores de Ébano, Beatles, Roberto Carlos, Elis, Belchior..E, desde menino, na literatura, li de ponta a ponta, as coleções "As Mais Belas Histórias", "Contos das Mil e Uma Noites" e tudo dos Irmãos Grimm. Aí foi um pulo para uma série de outros autores. Meu sonho inicial era ser jogador de futebol, mas a obrigação de trabalhar e estudar acabou me privando de seguir em frente. Neste ponto, já sabia também que escrever era um de meus destinos. Fosse como poeta ou, mais tarde, jornalista. Formei-me em 1986 e trabalhei nos jornais Diário de Minas, Hoje em Dia, Estado de Minas, Folha de S. Paulo, além da revista Veja. Sigo no Hoje em Dia, como secretário de Redação, cargo que ocupo desde o meio da década de 90. Como escritor, comecei na poesia e passei para os contos, publicando sempre às quartas-feiras no caderno de Cultura do Hoje em Dia a partir de 2002. Meu primeiro livro "Tantas Histórias. Pessoas Tantas" é uma reunião de parte desses textos. Meu segundo livro, feito com os também jornalistas Alexandre Simões, Fred Jota e o repórter fotográfico Eugênio Sávio é dedicado aos 100 anos do Clube Atlético Mineiro. Chama-se "Galo - Uma Paixão Centenária".

L – Você tem algum livro novo com perspectivas de publicação? Se a resposta for afirmativa, qual? Há alguma previsão para seu lançamento? Se a resposta for negativa, explique a razão de ainda não ter produzido um livro.

EM – Sim, tenho um livro no forno. É também uma reunião de meus contos publicados aqui no Hoje em Dia. Deve se chamar "Minhas Condolências à Senhora Vera". A projeção é de lançá-lo em abril de 2010, se tudo der certo.

L – Há quanto tempo você é colunista do Literário? Está satisfeito com este espaço? O que você entende que deva melhorar? Por que?

EM – Sou colunista da segunda safra do Literário. Lembro-me que vi os estreantes e pensei: "Por que não me oferecer?". Enviei uns de meus textos, e alguns meses à frente veio sua resposta positiva, de Pedro, a quem considero um Dom Quixote virtual na briga pela literatura. Quanto ao espaço, estou plenamente feliz e grato por ele. Não faço reparos. Para mim, está tudo rigorosamente como dentro das expectativas.

L – Trace um breve perfil das suas preferências, como, por exemplo, qual o gênero musical que gosta, que livros já leu, quais ainda pretende ler (dos que se lembra), qual seu filme preferido, enfim, do que você gosta (e do que detesta, claro) em termos de artes.

EM – Em se tratando de música, nasci e me formei no ecletismo. Por isso, ponho pra rodar desde Altemar Dutra, Cauby Peixoto, Nat King Cole a Elvis, Beatles, Milton, Belchior, Carlinhos Brown, James Brown, Berimbrown, Aretha Franklin, Nina Simone, Barbra Streisand, Simon and Garfunkel, Victor e Leo, Mato Grosso e Mathias, Roberto Carlos, Zizi Possi, Zeca Baleiro, Marisa Monte, Vander Lee, Seal, Prince, Amy Winehouse. Enfim, como vê, bastante eclético. Mas tenho pouca paciência para rap, pagode e jazz, que acho uma suprema chatice, a despeito de toda a virtuose dos músicos... Sobre filmes, os da década de 80 me batem mais fundo, como Filadelphia, Blade Runner, Telma e Louise, e outros um pouquinho mais pra frente, como O Carteiro e o Poeta e, mais recentemente, A Borboleta e o Escafandro, e A Vida dos Outros. Entre os nacionais, Tropa de Elite e Os 2 filhos de Francisco. Quanto a livros, prefiro me concentrar em autores, listando Machado, Érico Veríssimo, Carlos Drummond, Guimarães Rosa, Dostoievski e Mia Couto. De quem definitivamente não gosto (e acho uma estranheza a academia lhe dar tanta importância) é Rubem Fonseca. Entre os novos, listo Carpinejar e Marcelino Freire.

L – Você gosta de teatro? Por que?

EM – Adoro teatro. Acho que é uma arte que materializa e sintetiza um sentimento presente em outras artes, como a literatura e o próprio cinema. Meu drama é poder acompanhar os espetáculos, já que, como secretário de Redação, tenha horários de trabalho para lá de antissociais.

L – Você já esteve no exterior? Onde? Se não esteve, para onde gostaria de viajar e por que?

EM – Já fiz algumas viagens. Umas a passeio, outras a trabalho. Minha primeira experiência fora do Brasil foi na Argentina. Um baque, aos vinte e poucos anos, achando que me faria compreender e que os compreenderia. Sem saber um á em espanhol. Acabei falando inglês até com policial. Mas foi fascinante. Buenos Aires, Bariloche, os lagos andinos. Esta última paisagem é simplesmente coisa de outro mundo. Estive também em Cuba e, claro, com passagem obrigatória pela Bodeguita del Medio, onde Hemmingway tomava seus Mojitos, e por La Floridita, onde bebia os Daiquiris. Depois, fiz estudos breves na Inglaterra e na Espanha, além de passeios por França, Itália, Áustria, Suíça. Além de ter viajado a trabalho para Alemanha, Bélgica e Estados Unidos. Mantenho vivo o sonho de conhecer China ou Rússia, porque estão no imaginário de quem lê, ama filmes e ama também a História. Além de, claro, terem cenários deslumbrantes, como o da Grande Muralha ou da Cidade Proibida, ou ainda a Praça Vermelha.

L – Você tem predileção por algum gênero literário? Qual? Por que?

EM – Sou um leitor que dá preferência a dramas – de romances a contos. Mas leio, seletivamente, de tudo. Poesia está frequentemente sobre meu criado-mudo. Exceto a poesia concreta, que, francamente, não faz meu gênero.

L – Qual dos seus amigos vive mais longe? Onde?

EM – Tenho uma amiga, ex-professora de inglês, se chama Vanessa, vivendo num cafundó lá nos Estados Unidos. Nos "falamos" com frequência por e-mail. Esta é da velha guarda.

L – Qual é, no seu entender, o pior sentimento do mundo? Por quê? E qual é o melhor? Por quê?

EM – O de prepotência – que acaba desaguando numa série de outros, como o desrespeito, o sentimento de impunidade, a violência e a corrupção, por exemplo. O melhor é o de solidariedade. Este nos transforma e ajuda a transformar o mundo.

L – Se pudesse eleger um único escritor estrangeiro como o melhor de todos os tempos, quem você escolheria? E o brasileiro?

EM – Dostoievski. Recordo-me de Crime e Castigo, e é como se pudesse tocar o suor e o pavor do personagem principal, Por aqui, Guimarães Rosa. As neblinas e os demônios de Grande Sertão são algo presente por toda a vida, depois que se lê. Magistral.

L – O que você está produzindo atualmente?

EM – Sigo produzindo meus textos semanais de contos. E elaboro, mas sem compromisso formal, algo voltado para a poesia, que é minha escola de origem.

L – Qual livro, ou quais livros, está lendo no momento?

EM – Ando lendo "Canalha", de Carpinejar. Um autor e tanto.

L – Fale de alguma pessoa que você considere exemplar. Por que?

EM – Todas aquelas voltadas para ações solidárias. As que dedicam suas horas, literalmente extraordinárias, a ajudar a fazer da vida de tanta gente uma vida melhor. São os estandartes da esperança. Os imprescindíveis.

L – Em quais localidades do País você já esteve e gostaria de voltar? Por que?

EM – Há cantos maravilhosos por aí. Como as bandas de Jericoacoara, praia do Ceará. Por ali os relógios literalmente param e começa uma outra dinâmica. Em lugar de se gastar o dia, se extrai dele o que há de melhor e natural. Incluo aí as águas divinas de Bonito, no Mato Grosso do Sul. Dá uma sensação de estarmos com Alice, no País das Maravilhas. E, pertinho de mim, a Ouro Preto que é sempre um convite a uma viagem no tempo. É lugar pra se amar pra toda a vida.

L – Qual a sua maior decepção literária? E a maior alegria?

EM – Minha decepção é, de uma certa forma, com as editoras. Batendo em algumas portas, você vai descobrindo que os critérios de escolha são práticos em demasia (nomes, em lugar de qualidade) e que, no fundo, há pouco exercício de garimpagem. Já o episódio da alegria foi viver uma experiência exemplar nesse sentido: a mesma editora que gentilmente me recebeu pela primeira vez como escritor e recusou meu livro de contos (por inviabilidade comercial) acabou me convidando mais tarde para produzir o livro sobre os 100 anos do Clube Atlético Mineiro. E aí foi trabalho pago, bem pago. O que exprimiu, por uma outra forma, reconhecimento de qualidades. Mas, claro, naquela linha. Pode ser bom, mas tem que vender....

L – O que você acha que deveria ser feito para estimular a leitura no País?

EM – Os programas pontuais devem prosseguir. Tenho um filho de 9 anos e vejo um estímulo e tanto nas escolas para a prática da leitura. Uma vez por semana, ele volta para casa com um livro, sobre o qual faz resumos e trabalhos. Nas escolas públicas a prática também tem sido estimulada. Enfim, acho que o fundamental é abrir a oportunidade de educação para todos. Aí, se pode acreditar que é um caminho natural para que as pessoas leiam mais. E cada vez mais seletivamente. Esta última frase é mais desejo que crença (risos....)

L – Você tem algum apelido? Qual? Fica irritado quando o chamam assim?

EM – Ah, tenho alguns. O mais tradicional, há anos no trabalho, é Dudu. Na família, me chamam de Duca. Felizmente, são todos apelidos carinhosos.

L – Fale um pouco dos seus planos imediatos. E quais são os de longo prazo?

EM – Ah, o sonho é seguir na carreira de jornalista, mantendo os desafios de fazer do nosso jornal o maior aqui por Minas Gerais. Devagar, estamos a caminho. No longo prazo, penso ainda em colocar um pé na academia, porque é um ofício que adoro. E como autor, o sonho é o de todos aqueles escrevem: ser lido, reconhecido, quem sabe um dia estudado (pretensão grande, não?), e ainda poder ver alguns de meus contos produzidos como teatro ou cinema. Não perco a esperança.

L – Há alguma pergunta que não foi feita e que você gostaria que houvesse sido? Qual?

EM – Acho que não. Fui prolixo até demais....

L – Por favor, faça suas considerações finais, enviando sua mensagem pessoal aos participantes do Literário.

EM – Aos amigos do Literário vai a lembrança de que escrever costuma ser sempre uma tarefa solitária. Quantas madrugadas atravessamos em busca de um personagem, um mote ou "simplesmente" um final digno para uma de nossas histórias? Mas com o complemento terno de que, quando partilhamos nossos textos, de alguma forma estamos ajudando a mover o mundo. Espero que para melhor, meus amigos. Já aos que nos leem, que sejam sempre críticos (pra que a gente cresça a cada dia) e generosos (pra que possamos seguir acreditando em nossos sonhos lúdicos de transformar o mundo pela palavra).

2 comentários:

  1. É com prazer que deixo registrado aqui
    o meu apreço pelos seus textos e saber
    um pouquinho mais de você.
    Prazer Eduardo e parabéns.
    Beijos

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  2. A sua prolixidade foi na justa medida da curiosidade dos seus leitores.Então não existiu. Devido a sua ampla cultura, os seus textos algumas vezes são dificeis,pois englobam várias possíveis saídas e interpretações. Muitos ficaram na minha memória, como uma certa moça que iria se casar e uma pena caiu em seu decote em plena Savassi. Lírico, encantador e inesquecível. A surpresa que tive aqui na entrevista foi vê-lo mais formal do que imaginava. Pode ter sido o lápis vermelho da censura que segurou o seu teclado. Prazer em conhecê-lo.

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