quinta-feira, 22 de abril de 2010


A dama da poesia brasiliense

C
aros leitores, boa tarde.
A única poetisa relacionada por J. R. de Almeida Pinto, em seu livro “Poesia de Brasília – duas tendências”, como um dos quatro pilares, quatro poetas que classificou de “cultos”, Marly de Oliveira, infelizmente não pôde assistir, ontem, as festividades comemorativas ao cinqüentenário da cidade que amou de paixão. Entre outros tantos eventos, a programação da festa de aniversário teve um que congregou duzentas mil pessoas, na Esplanada dos Ministérios.
A poetisa não se fez presente (fisicamente), esclareça-se, não em decorrência de algum compromisso ou falta de vontade. Faltou à sua revelia, por motivo de força maior, a maior que existe: faleceu em 1° de junho de 2007 e longe da Capital Federal, em uma clínica do Rio de Janeiro. Contudo, é, e sempre será, tida e havida, passados três anos da sua morte (e com inteira justiça) como a incomparável “dama da poesia brasiliense”.
Marly foi casada com ninguém menos que o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, membro da Academia Brasileira de Letras, que, claro, dispensa comentários e apresentações. Estou seguro que todos os nossos leitores o conhecem de sobejo. A poetisa, igualmente, não nasceu em Brasília – como a maioria dos escritores que “construiu” o já rico e farto patrimônio literário da Capital Federal. É natural de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, conterrânea, portanto, do nosso cronista mor, Rubem Braga e do “rei” da música pop brasileira, Roberto Carlos. Falecida aos 69 anos, conquistou, em 1998, o cobiçado Prêmio Jabuti de Poesia, com o livro “O mar de permeio”.
A além de poetisa, professora de língua e literatura italiana e de literatura hispano-americana publicou, também, “Cerco da Primavera” (1957), “Explicações de Narciso” (1960), “A suave pantera” (1962), “A vida natural” (1967), “Contato e invocação de Orpheu” (1975) e “Uma vez sempre” (2000).
Marly de Oliveira foi, sem dúvida, uma das mais famosas, prestigiadas e reconhecidas poetisas não somente de Brasília, mas de toda a Literatura Brasileira. É verdade que o imenso prestígio de que gozava junto à intelectualidade e, notadamente, com seus colegas de letras, não era acompanhado pelo grande público. Poucos, fora desses círculos, a conheceram. Uma pena!
Além do Prêmio Jabuti, ganhou, também, ainda bem jovem, em 1958, o Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro. Seus versos são densos, agudos e fortes. São, simultaneamente, cerebrais e líricos, carregados de intensos sentimentos e, algumas vezes, chegam a ser até mesmo sensoriais: concretos, vivos, palpáveis.. Nem por isso era alienada, ou menos objetiva, acusação que em geral se faz a poetas que primam pela emoção. Seus poemas refletem, quando o tema assim o exige, também as asperezas, contradições, incertezas e a inclemência da realidade.
Para entender as motivações e atitudes, as alegrias e tristezas, as preferências e as repulsas de um escritor, nada melhor do que deixar que ele próprio se mostre, mas não em uma entrevista ou na subjetividade de uma biografia, porém na inteireza da sua obra. Ali é que ele se revela por inteiro, sem máscaras e nem disfarces. Por isso, como tenho feito com outros tantos poetas sobre os quais discorri até agora, trago-lhe também, amável leitor, alguns dos refinados poemas de Marly de Oliveira, para que você a conheça um pouco mais e se delicie com eles.
O primeiro tem o estranho título de “Pior que o cão é sua fúria” e diz: “Pior que o cão é sua fúria,/pior que o gato é sua garra,/pior que a sanha de ferir/a que se esconde/sob a feição do amor./Pior que a vida é a não-vida/do que se faz espectador:/nem mergulha, nem nada, nem conhece/o mar fundo:/está sempre à beira da estrada”.
O segundo poema de Marly que partilho com vocês é o intitulado “Não conheci o desterro”: “Não conheci o desterro,/mas sei a quanto obriga./Vivo na minha terra,/embora desencontrada. Quem sabe/de mim, quem me ouve/o que não digo, quem segura/a rédea de meu sonho, permitindo/o risco da vertigem, o perigo/de conhecer o abismo?”.
O terceiro exemplo da poética de Marly de Oliveira é este “Perdi a capacidade de assombro”: “Perdi a capacidade de assombro/mas continuo perplexa:/esta cidade é minha, este espaço/que nunca se retrai,/mas onde o ardor da antiga/chama que me movia no mínimo/gesto?Esperei tanto, no entanto esvaem-se/na relva, ao sol, no vento,/os sonhos desorbitados,/parte da minha natureza,/sempre em luta com o fado./Perdi também no contato//com o mundo, pérola radiosa, vão pecúlio,/uma certa inocência./Ficou a nostalgia de uma antiga/união com o que existe/triste alfaia”.
Finalmente, encerro estas considerações com o poema “Parecia um pássaro”: “Parecia um pássaro em frêmito/da folha, uma libélula,/uma coisa evanescente/e volátil:/não era nada, um pensamento – de amor?/que se ensaiou na sombra/e desapareceu qual rã”.
Calo-me, humildemente, diante da beleza, da concisão, da elegância e da precisão da magia poética de Marly de Oliveira. Nada tenho a acrescentar, a reparar ou a comentar sobre seus poemas. Prefiro senti-los e dar vazão à emoção. Seus versos dizem tudo, ou melhor, sugerem. E é preciso dizer qualquer coisa mais sobre este festival de fantasia, bom-gosto e encantamento, que a dama da poesia brasiliense nos legou?!

Boa leitura.

O Editor.
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