quinta-feira, 22 de abril de 2010




É como fazer amor

* Por Pedro J. Bondaczuk

Fazer poesia é como fazer amor. Na verdade, essa afirmação sequer é minha. É do escritor Cesare Pavese. Todavia, compartilho da sua opinião. Daí incorporá-la às minhas próprias “verdades”, às raras convicções que tenho (ou que julgo ter), até por experiência própria.

Sinto um êxtase, muito parecido com o do orgasmo, quando consigo escrever um verso perfeito, não importa se rimado ou não, mas com ritmo e musicalidade e que expresse, com exatidão, determinada emoção que pretenda perenizar. Parece tarefa fácil, não é verdade? Mas não se engane a esse propósito, caro leitor.

Agradar a si mesmo é muito mais difícil do que se possa supor ou, ao menos, admitir. Na maioria das vezes, queremos expressar determinada emoção, realçar um certo afeto e para tanto valemo-nos de palavras cuidadosamente escolhidas, precisas e até “cirúrgicas”, além de metáforas que à primeira vista nos parecem, no mínimo, adequadas para aquele contexto, mas que... Bem, quando lemos e relemos o que foi escrito, nos resta o gosto amargo da frustração.

Constatamos que o que foi dito não foi bem o que pretendíamos dizer. E isso pode se repetir uma, dez, cem, mil, milhões de vezes. Claro que não admitimos esses fracassos de expressão para ninguém e não raro nem para nós mesmos. Mas lá no fundo da alma, secretamente, a frustração está ali, nos incomodando.

Há ocasiões em que simplesmente rasgamos, com furor, o que foi escrito e que nos parecia tão belo e verdadeiro após a conclusão, ou apagamos da telinha, caso o poema tenha sido redigido no computador. Nem sempre agimos assim.

Há casos em que, lido muito tempo após haver sido produzido, o texto, que à primeira leitura nos desagradou, soa-nos verdadeiro e até genial. É que então já nos esquecemos o que, de fato, queríamos expressar. O poema, dessa forma, ganha perenidade e até foros de sinceridade.

Contudo poesia, para adquirir validade e satisfazer seus objetivos deve ser feita coletivamente. Não na redação, claro. Explico. Ela requer, além da ação de escrever, de quem a faz, do poeta, cumplicidade de quem a lê.

Tem que despertar, se não idêntico, pelo menos sentimento parecido ao que a ensejou e que tivemos ao compô-la. Se quem ler nossos versos não sentir coisa alguma, além da sensação de enfado e de perda de tempo, teremos fracassado em nossa missão. E como fracassamos nesse mister!

Mas como saber se houve, de fato, reciprocidade de emoções e afetos entre quem escreveu e quem se limitou a ler o escrito? Não há como! Resta-nos, apenas, vaga suspeita a propósito. Até porque, nunca sabemos em que mãos nosso poema irá cair. E dependo de qual, tanto pode gerar profunda empatia, como ser fator até de ridículo para nós.

Na verdade, a citação de Cesare Pavese, que mencionei acima, deixa isso implícito. O que o escritor italiano escreveu tinha um complemento, que não mencionei antes. Literalmente, escreveu o seguinte: “Fazer poesia é como fazer amor: nunca se saberá se a própria alegria é compartilhada”.

Eureka! Está aí a chave que faltava para abrir o cadeado do entendimento! Por maior que seja a satisfação proporcionada pela redação de versos que aparentem ser perfeitos, sempre restará uma pontinha de dúvida em nosso espírito quanto aos efeitos que causarão e, portanto, um gosto amargo de frustração. Se formos hipersensíveis, o desgosto será intenso. Se autoconfiantes e seguros da nossa capacidade, será tão pequeno a ponto de se tornar imperceptível.

Não raro fazemos amor com determinada mulher que em tudo nos agrada. Deliramos quando em seus braços e somos conduzidos, em êxtase, ao paraíso. Suas reações são, em tudo, no sentido de nos dar a certeza da reciprocidade.

Acreditamos, pois, que nossa alegria e gozos são compartilhados. Lá um belo dia, porém... descobrimos que a tal da reciprocidade era uma farsa. Que a parceira a que julgávamos satisfazer plenamente “fingia” orgasmos, que nos pareciam tão reais, mas que sequer existiam. Todos? Algum? Qual? Fica a dúvida.

Num piscar de olhos, nossa autoconfiança e picardia vão para o espaço. Nessas circunstâncias, inclusive, não são raros os casos de irreversível impotência. O mesmo ocorre (guardadas as proporções, claro) com o poeta quando não encontra reciprocidade do leitor. Às vezes torna-se impotente, posto que espiritualmente. Cruz credo!

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

2 comentários:

  1. Cruz credo ao cubo!

    A mim basta reler, reler e reler.
    E, se para mim soa verdadeiro e
    intenso é sinal de que consegui expressar
    meus sentimentos.
    Ótimo texto Pedro. Mas, ainda estou pensando
    na comparação...
    beijos

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  2. A constatação de que o que o leitor sente -caso sinta-, ao ler um poema, é um complemento tão importante quanto o próprio poema. E é irrelevante se ele entendeu, ou quase,a intenção do poeta. Sentir algo que o desperte terá sido o grande sucesso para quem escreveu.

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