quinta-feira, 12 de novembro de 2009




Tudo de madrugada – Final

* Por Gustavo do Carmo


Uma noite, o dono da farmácia foi procurar o pai de Dionísio em sua casa. Ele não havia comparecido ao trabalho. Os pais e o patrão, amigo da família, o procuraram pela casa toda. Dona Maria Lúcia começou a se desesperar. Ainda mais quando o pai achou um bilhete curto e seco deixado pelo filho: “Fui para o Rio de Janeiro”. A primeira coisa que Seu Osmar fez foi procurar o revólver do dono da farmácia. Não estava lá. A sua pistola particular também não.

Dionísio chegou a Copacabana por volta das dez da noite. Entrou no supermercado que freqüentava quando morava no Rio. Ouviu pelo alto-falante o locutor anunciar que o estabelecimento estava encerrando as atividades do dia. O ex-clipista estranhou.

Perguntou a um segurança porque eles estavam fechando se o supermercado funcionava 24 horas por dia. O vigilante, um moreno forte e alto, disse que eles pararam de atender dia e noite depois de um assalto que sofreram. Dionísio se indignou. Sacou as duas armas que trouxe do interior e o rendeu.

Mesmo em desvantagem física, Dionísio obrigou o segurança a fechar as portas do supermercado e manteve todos os funcionários e fregueses como reféns. Gritando muito, completamente alterado, exigiu a presença de repórteres da mais famosa emissora de televisão. Ameaçou explodir o supermercado se alguém chamasse a polícia antes dele terminar o seu plano. Alguns fregueses cochichavam que Dionísio estava drogado, por causa dos seus olhos vermelhos. Mas ele não estava. Nem tinha tomado o estimulante. O que o entorpecia era a loucura mesmo.

Duas horas depois apareceu a equipe da imprensa. Uma repórter morena e bonita, de terninho amarelo, acompanhada do cinegrafista, um homem forte e moreno como o segurança rendido por Dionísio. Este autorizou a entrada apenas dos dois jornalistas e impôs as condições para liberar os fregueses e os funcionários do supermercado: produzir uma matéria sobre os serviços 24 horas na cidade do Rio de Janeiro. Assustados, os repórteres concordaram imediatamente. E começaram a entrevistar os freqüentadores, deveriam mostrar que estava tudo bem. Que era apenas uma pauta de rotina.

Dionísio atuou como o produtor da matéria desejada. Selecionou algumas pessoas. Escolheu um casal, um homem de cabelos grisalhos, o gerente e uma das caixas do supermercado para serem entrevistados. Ele mesmo também fez parte da matéria. Exigiu uma maquiagem para disfarçar os olhos vermelhos.

Dionísio disse para a repórter que trabalhava o dia inteiro e só tinha tempo para fazer compras depois da meia-noite. Depois de uma pausa na gravação, acrescentou que era mais prático e tranqüilo comprar no horário alternativo. Recomendou que este depoimento encerraria a matéria.

Satisfeito, Dionísio libertou os funcionários e os freqüentadores do supermercado. Todos estavam livres após quatro horas de tensão. Com exceção dos dois jornalistas, que continuaram com as duas pistolas apontadas por Dionísio. O clipista exigiu continuar a matéria na academia e, depois, nos consultórios noturnos do dentista e da esteticista.

Não deu tempo. No caminho para o carro da reportagem, Dionísio vacilou ao espirrar. Foi dominado pelo cinegrafista e surpreendido pela polícia, que o prendeu e o levou para a casa de custódia, sob a acusação de seqüestro, porte ilegal de armas e perturbação da ordem pública.

Condenado, foi cumprir a pena no manicômio judiciário. Lá, assistiu ao telejornal do fim de noite com a matéria sobre pessoas que faziam compras em supermercados, malhavam na academia, faziam tratamento de pele e marcavam consulta até com o dentista. Tudo de madrugada.

Dionísio era a estrela principal. Depois, começou a fazer o seu próprio clipping com as matérias verdadeiras sobre o seqüestro no supermercado publicadas na imprensa.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores


Nenhum comentário:

Postar um comentário