segunda-feira, 16 de novembro de 2009




Coisinhas de amiga

* Por Celamar Maione

C
inco e quinze da tarde. Final de expediente. A chuva fina fez o trânsito ficar ainda mais lento. No ônibus, Celina olhava toda hora para o relógio. O celular tocou. Não conseguia encontrar o aparelho dentro da enorme bolsa. Pediu ao homem sentado ao lado para segurar seus objetos pessoais, enquanto procurava o celular. Assim que o encontrou, ele parou de tocar. O passageiro comentou:
- Acontece sempre comigo.

Celina deu um sorriso de agradecimento e esperou o celular tocar novamente.
- Já estou chegando, Nicinha . É o trânsito.

Desceu do coletivo, apressada. Encontrou a amiga no bar pedindo o terceiro chope. Antes de se acomodar na cadeira, perguntou curiosa:
- E aí, terminaram?
- Sim.
- Contou que eu o vi com outra?
- Eu disse que quem viu fui eu. Não quis te comprometer.
- E ele?
- Disse que inventei uma desculpa para terminar, mas iria respeitar minha decisão.
- Os homens não valem nada! – comentou com voz de desprezo.
- É, e eu estou com nojo do Marcos César!
- Esquece. Daqui a pouco você arranja outro. Vamos comemorar sua solteirice.

Beberem e conversarem futilidades. Foram juntas pra casa. Moravam na mesma rua.
Antes de se despedir da amiga, Nicinha pediu , chorosa:
- Vou precisar muito do seu apoio agora que estou sozinha.
- Sou sua amiga. Quando precisar desabafar, é só ligar.

Nicinha abriu a porta e encontrou a mãe cochilando no sofá da sala. Ela deixou uma estátua cair. Dona Izaldina acordou com o barulho:
- Que bicho mordeu você? Já chega derrubando as coisas. Que cara é essa, filha?
- Mãe, se o Marcos César ligar, diz que eu não estou.
- Brigaram de novo?
- Terminei. Ele me traiu .
- Você viu?
- Quem viu foi a Celina .
- Aquela encalhada? Vai atrás. Ela tá é de olho no seu namorado. Aquela lá é uma invejosa.
- Olha o veneno, mãe. Celina é minha amigona.
- Quando tem homem no meio, mulher nenhuma é amiga.

Nicinha preferiu não argumentar. O dia havia sido cansativo demais para entrar em polêmica. Em silêncio, fechou a porta do quarto para tentar dormir. Deitou-se e começou a chorar lembrando de Marcos César. Acordou antes das sete com gosto de ressaca . Assim que abriu os olhos pensou: “ Teria feito a coisa certa?”

Tomou um banho frio para pensar melhor. Na cozinha fez um café bem forte. Passou o final de semana escutando música e remexendo papéis. Não disfarçou a ponta de decepção. Pensou que o ex-namorado fosse procurá-la . Segunda-feira antes de sair para o trabalhou, ainda se certificou :
- Mãe, o Marcos César ligou?
- Você passou o final de semana todo em casa. Ouviu o telefone tocar?

Trabalhou de má vontade. Celina ligava todos dias, atenciosa, incentivando-a arranjar novo namorado. Um mês e nem um e-mail de Marcos César. Nenhuma notícia. Nada. Conversando com Celina depois de um café com bolo na casa da amiga, comentou com ressentimento na voz:
- Acredita? Ele nunca me ligou. Nem para devolver minhas roupas que ficaram na casa dele .
- Parte pra outra. Eu não disse que ele não prestava?

Nicinha quase desmaiou quando, dois meses sem ter notícias do ex, entrou numa sorveteria com a prima e viu Celina e Marcos César aos beijos . Congelou. Os olhos queriam saltar do rosto. O cabelo arrepiou. Fez menção de se aproximar do casal. A prima impediu, segurando-a com força pelo braço:
- Calma! Só você não percebia que a Celina tinha inveja de você e do Marcos César. Ela intrigou vocês pra ficar com ele.
- Ela parecia tão sincera.
- Os invejosos dominam com perfeição a arte da dissimulação.

Quando Celina procurou-a para contar que namorava Marcos César, Nicinha fingiu não se importar:
- Melhor estar com a minha melhor amiga do que com outra. Se der casamento, quero ser madrinha – mentiu despeitada.

“Lutaria com as mesmas armas de Celina” – pensou com o coração ardendo de ódio. Surpreendeu-se com o próprio fingimento . Arranjou um namorado para ficar mais perto do casal. Passaram a sair todos juntos. Tornaram-se inseparáveis. Nicinha aparentava uma felicidade de fachada. Um ano depois, Celina e Marcos César anunciaram o casamento. Ela fez questão de ser madrinha e ainda deu a lua-de-mel de presente.

Quando Celina e Marcos César voltaram da viagem, surpreenderam-se com a transformação da amiga. Nicinha terminou o namoro enfadonho. Colocou silicone nos seios e mudou o guarda-roupa. Passou a usar decotes provocantes e minissaias ousadas Pintou os cabelos de ruivo, afinou a sobrancelha, engrossou os lábios e colocou lentes de contato verde . Marcos César surpreso, gostou .Celina enciumou .

Na primeira semana de trabalho, Marcos César encontrou Nicinha almoçando sozinha num restaurante, perto do escritório dele. Passaram a almoçar duas vezes por semana. Provocante, Nicinha passou a assediá-lo! Não demorou para que o almoço passasse a ser no motel. Encantado com as artimanhas da ex, Marcos César propôs:
- Meu casamento com a Celina foi um erro. Vou me separar para ficarmos juntos.

Com ares de poder, Nicinha jogou o cabelo de lado, empinou os seios e arrastando a voz, sentenciou:
- Prefiro ser amante! Dá mais tesão. As amantes se divertem mais.

*Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

3 comentários:

  1. Delicioso! Divertido! Adorei o texto.
    Essa sim é uma vigança com sabor!
    beijos

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  2. Definitiva a frase "as amantes se divertem mais"- definitiva e verdadeira, além de dar um xeque-mate na hipocrisia de muitos e muitos casamentos. Trama bem realizada, história bem contada, final surpreendente. Parabéns, Cel.

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  3. Atitude canalha para vingar dois igualmente canalhas. Fogo cruzado não dói, e vingança fria é mais gostosa. Celamar, você lavou a alma de muitas com essa história. A projeção em outra pessoa pode dar um prazer inesperado.

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