quarta-feira, 18 de novembro de 2009




Ficção nada fictícia

* Por Fernando Yanmar Narciso

Os grandes pensadores e filósofos dos últimos dois séculos enxergaram adiante com um olhar pessimista. Sempre existiram contos onde as cidades seriam destruídas por guerras, doenças ou por ataques alienígenas. Havia vírus capazes de transformar grandes metrópoles em terras desérticas. As coisas do futuro eram monocromáticas. As pessoas andavam pelas ruas com ar de desânimo, alienação, parecendo calcular cada passo que davam. Qualquer traço de individualidade era ferozmente reprimido. Eram vigiadas 24 horas por dia, e apesar de terem uma sensação de segurança, o mundo era uma terra de ninguém. Humanos e tecnologia não conviviam em harmonia, e qualquer bobagem seria capaz de levar a um derramamento de sangue ou óleo entre os dois.

Mais do que contos ou filmes, essas histórias são sábios conselhos. Os autores sabiam das coisas que poderiam trazer a ruína à sociedade, e tentavam nos alertar sobre o que aconteceria se deixássemos tudo correr do jeito que estava indo. Bem, aqui estamos nós, no fim da primeira década do século XXI, tão temido por todos os intelectuais e não-intelectuais do passado, e a pergunta é: Por que ninguém deu ouvidos a eles? Nossa situação atual é igual – e quiçá pior – às distopias imaginadas por George Orwell, HG Wells, Fritz Lang, Steven Lisberger e Julio Verne – e por quê não? George Miller, George Lucas, Ridley Scott e Steven Spielberg. Para a maioria das pessoas, esse ponto de vista soa como um exagero, mas façam as contas.

Nos filmes de ficção há o costume de pintar casas, carros, roupas e até a comida de branco, para sugerir um mundo neutro e sem emoções. Olhem ao seu redor quando estiverem nas ruas. Quais são as cores de carro predominantes hoje em dia? Azul calcinha? Amarelo queimado? Onde quer que olhemos, 90% dos carros são ou pretos ou cinzas-prata. E olha que não é por falta de opções. Numa voltinha no centro da cidade, comecem a reparar nas cores que dominam as paisagens verticais. O mundo tem ficado cada vez mais cinza. Sem cor, tedioso, claustrofóbico. Exatamente como Scott previu em Blade Runner.

Você tem dado muitos bons-dias, muito-obrigados e volte-sempre ultimamente? Digo, de forma sincera, interessada e com sentimento? Já sei a resposta. Você mal olha as pessoas nos olhos, acertei? Já inicia um novo dia mal podendo esperar pelo fim dele. Olha para a família sentada à mesa do café e nenhum deles, nem o cachorrinho, lhe devolve o sorriso. Vou mais além, e chutar que você mal tem se sentido como um ser humano ultimamente. Quantas vezes você já comeu pipocas, assistindo a cenas exatamente iguais a como sua vida é agora?

Em alguns filmes do gênero, cada passo que uma pessoa dá é observado em detalhes. Há telões em toda parte, mostrando qual foi a nova idéia mirabolante do governo. Bem, agora não existe um único ponto da cidade que não tenha câmeras de segurança. Banheiros, consultórios, supermercados, bancas de revista, qualquer estabelecimento tem a sua. Você nunca perde a sensação que tem alguém o olhando. Nem dá mais pra afanar algum objeto com privacidade. Perdemos o direito à intimidade. A desconfiança é astronômica.

Você e eu passamos quase 24 horas ligados ao computador, certo? Depois da internet, não existe mais isso de tempo sobrando. Estamos sempre fazendo alguma coisa, mesmo sem estarmos fazendo nada. Sem perceber, nós já passamos a viver em função das máquinas. Celulares, MP3 players, notebooks, microondas, secretárias eletrônicas, atendimentos pré-gravados, carros poluidores, carros nem tão poluidores, mas poluidores mesmo assim, e a lista só cresce a cada dia. Se isso não for uma ditadura em que as máquinas mandam, eu não sei o que é.

Graças a todas elas, agora nós oramos a uma única divindade, um único “grande irmão”: São Steve Jobs. Não tem uma mísera porcaria que ele fabrica que todos nós não queiramos pôr as mãos. Seus produtos redondinhos, lisos, sem botões, portáteis e intercomunicáveis são a cara dos comunicadores que Flash Gordon e Han Solo carregariam. Tudo que São Steve Jobs fala é lei, e quem não o seguir estará fadado à prisão do eterno obsoletismo.

A existência de alienígenas ainda não foi, e talvez nunca seja confirmada. Na falta de discos voadores triturando cidades com raios laser, temos terroristas, extremistas religiosos, assassinos, estupradores, ladrões, valentões de escola e gente ruim em geral, dispostos a fazer o planeta ruir a qualquer hora.

Por que relaxamos tanto? Por que a necessidade de possuir sempre mais e mais?

Sempre fui ensinado que o mais importante na vida é a moderação. Em tempos de capitalismo triunfal, parece que essa palavra foi riscada do dicionário. Por sorte, existem pessoas que não se sentem movidas por essa gana de comprar e comprar, como meu pai, por exemplo. Seriam elas nossos John Connors da vida real?

* Fernando Yanmar Narciso, 25 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

2 comentários:

  1. Boa noite


    Então tenho remado contra o senso comum contemporâneo...
    E agora? Eu fico aliviada com isso ou me desespero por ser diferente? Ah, sei lá, não sou normal mesmo...
    beijos

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  2. É uma alegria fazer parte dos diferentes. Posso simplesmente não ter cabelos loiros e chapeados. Isso sim, é liberdade de escolha.

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