sexta-feira, 27 de novembro de 2009




Retratos não vividos

* Por Rodrigo Ramazzini


U
ma rajada de vento entrou pela porta dos fundos e derrubou um vaso de flor. Um segundo sopro fez a porta fechar-se violentamente. Com o barulho da batida, Claudinha despertou. Ancorado no seu peito, um álbum de fotografias.

A noite mal-dormida fora confidenciada pelo cochilo no sofá. Sentou-se e espreguiçou-se. O álbum escorregou para cima de suas coxas. Era de capa branca, com detalhes de linhas douradas entrelaçadas no centro. Apreciou-a. Seus pensamentos logo se remeteram ao passado. Então, resolveu folhá-lo página por página.

Virou a primeira folha. A imagem da sua festa de quinze anos. No ato célebre de apagar as velinhas. Grande festa aquela. Todos os colegas da escola reunidos.

– Onde foram parar todos? Indagou-se.

Outra página. O sonho, uma carreira. Eis o que representava aquela figura, de sorriso largo, vestida a caráter, com um canudo na mão. A formatura! Final tão esperado. Começo de novos caminhos.

– É! – proferiu, soerguendo as sobrancelhas.

Folheou o álbum novamente. Retratada estava a ação típica das noivas: o arremessar do buquê. “Encalhadas” em um surto coletivo na busca do bom futuro prometido pelo simples agarrar do ramalhete completavam a foto.

- Aqui estaria a lua-de-mel...

Seguiu indicando a localização na página.

A lua-de-mel. Retratos evidenciando em inúmeras folhas o sentimento maior: o amor. Poses e risos não faltariam para registrar a felicidade deste determinado momento.

- O destino assim desejou... – sussurrou baixinho.

Nas páginas seguintes muitas fotos de ocasiões felizes: férias, passeios, viagens, encontros familiares, aniversários, shows etc. Momentos de uma vida inteira ali contados. Espirrou fortemente. O álbum quase caiu de suas mãos. Quando o reabriu, a memória da gravidez apresentou-se. O mês a mês da evolução da vida eternizado em um retângulo. Fotos de um momento que se repete diariamente, mas único para quem o vive.

- Se chamaria Gabriel... – lacrimejando, pensou.

Uma lágrima caiu sobre o álbum. Indagou-se:

- O que estou fazendo?

Limpou rapidamente a folha com a camiseta. Os devaneios de uma mente produzem imagens quase reais. Coisas não vividas. Sensações não sentidas. De quem dependiam para acontecer?

Fechou o álbum de fotografias que dará para a sua sobrinha no próximo sábado. Ela completará quinze anos. Um álbum novo. Em branco. Suspirou fundo e proferiu:

- Se tivesse sido assim...

E foi juntar o vaso de flor que caíra com o vento...

* Jornalista

2 comentários:

  1. Acho que o segredo não é ficar pensando no que poderia ter sido, mas no que pode acontecer...
    Se for para tomar outros rumos...é melhor não olhar pra trás.
    Lindo texto Rodrigo.
    Beijos

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  2. Obrigado pelo carinho, Nubia!

    Tenha um ótimo final de semana!

    Aquele abraço!

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