Valter Fernandes, operário da poesia
* Por Urariano Mota
Vinícius de Moraes, no poema O Operário em Construção, escreveu:
“...ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário ....
... Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção,
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
* Por Urariano Mota
Vinícius de Moraes, no poema O Operário em Construção, escreveu:
“...ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário ....
... Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção,
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.”
Mas a palavra poesia no verso acima não quis significar aquela que se faz no verso escrito. Vinícius, ali, se referia à dimensão da poesia fora da escrita, que acontece no salto da consciência política em um operário. Se ganhasse mais anos de vida e felicidade, o grande poeta conheceria um trabalhador, um homem do povo e de oficina, que escreve poesia em versos. Ele teria conhecido o eletricista-poeta ou poeta-eletricista, ou mais simplesmente o poeta Valter Fernandes. Sem qualquer paternalismo ou espírito de bom cristão, o poeta carioca reconheceria versos de qualidade e revolta, neste poeta olindense:
UM POEMA PARA LARICE
Simpática como uma criança
Anciã vivida
Que nos momentos de prazer
Diz amar a vida
Poetisa por vocação
Contista por emoção
Está sempre a vislumbrar
O que nasce do coração.
Faz da sua vida um livro aberto
Das dificuldades uma canção
Da poesia o viver
Do amigo, um irmão.
Voa, pomba da paz,
Pelo mundo, pelas cidades!
E traz para Larice
Toda sorte de felicidade. “
Já escrevi em um texto que a gente não precisa ir muito longe para descobrir o que é digno de notícia, porque aqui mesmo, perto de casa, existia um trabalhador, um eletricista de autos. Coisa mais comum, não é? E acrescentava: mas esse eletricista, além de cuidar como poucos, como raros, de automóveis, porque é um profissional competente e honesto, também escreve. Sim, e....? perguntava então um repórter imaginário de qualquer jornal brasileiro. Ao que eu continuava: esse trabalhador que escreve se chama Valter Fernandes. Ele é um homem que assim se apresenta em um dos seus livros: “Nasceu em 27 de setembro de 1960, no Recife. É filho de Josefa Maria da Silva e de pai ignorado”. Sim, e...? . E concluía: antes que me respondam que a notícia não é uma sucursal da Casa da Misericórdia, eu lhes digo:
Na crônica “O gancho”, lembrei certa vez que os repórteres nem sonhavam com um tratamento, com uma recriação do mundo que transformasse qualquer fato em notícia. Pois os repórteres de todo o mundo, os escritores de qualquer gênero, bem que poderiam prestar atenção ao exemplo do poeta Valter Fernandes neste poema:
“Catou o lixo
Garrafa
Ferro
Plástico
Pneus
Tampinhas
E até papelão.
E com sentimento nobre
Fez o que mandava seu coração”.
Ao que findo agora: a devoção de Valter Fernandes ao ofício literário é um estímulo a todos os demais poetas, eletricistas, trabalhadores de oficina ou não. Pois o que ele faz da sua vida, as conexões que realiza entre o positivo e o negativo nos serve a todos, eternos meninos, eternos aprendizes, poetas em construção.
* Jornalista e escritor
Mas a palavra poesia no verso acima não quis significar aquela que se faz no verso escrito. Vinícius, ali, se referia à dimensão da poesia fora da escrita, que acontece no salto da consciência política em um operário. Se ganhasse mais anos de vida e felicidade, o grande poeta conheceria um trabalhador, um homem do povo e de oficina, que escreve poesia em versos. Ele teria conhecido o eletricista-poeta ou poeta-eletricista, ou mais simplesmente o poeta Valter Fernandes. Sem qualquer paternalismo ou espírito de bom cristão, o poeta carioca reconheceria versos de qualidade e revolta, neste poeta olindense:
UM POEMA PARA LARICE
Simpática como uma criança
Anciã vivida
Que nos momentos de prazer
Diz amar a vida
Poetisa por vocação
Contista por emoção
Está sempre a vislumbrar
O que nasce do coração.
Faz da sua vida um livro aberto
Das dificuldades uma canção
Da poesia o viver
Do amigo, um irmão.
Voa, pomba da paz,
Pelo mundo, pelas cidades!
E traz para Larice
Toda sorte de felicidade. “
Já escrevi em um texto que a gente não precisa ir muito longe para descobrir o que é digno de notícia, porque aqui mesmo, perto de casa, existia um trabalhador, um eletricista de autos. Coisa mais comum, não é? E acrescentava: mas esse eletricista, além de cuidar como poucos, como raros, de automóveis, porque é um profissional competente e honesto, também escreve. Sim, e....? perguntava então um repórter imaginário de qualquer jornal brasileiro. Ao que eu continuava: esse trabalhador que escreve se chama Valter Fernandes. Ele é um homem que assim se apresenta em um dos seus livros: “Nasceu em 27 de setembro de 1960, no Recife. É filho de Josefa Maria da Silva e de pai ignorado”. Sim, e...? . E concluía: antes que me respondam que a notícia não é uma sucursal da Casa da Misericórdia, eu lhes digo:
Na crônica “O gancho”, lembrei certa vez que os repórteres nem sonhavam com um tratamento, com uma recriação do mundo que transformasse qualquer fato em notícia. Pois os repórteres de todo o mundo, os escritores de qualquer gênero, bem que poderiam prestar atenção ao exemplo do poeta Valter Fernandes neste poema:
“Catou o lixo
Garrafa
Ferro
Plástico
Pneus
Tampinhas
E até papelão.
E com sentimento nobre
Fez o que mandava seu coração”.
Ao que findo agora: a devoção de Valter Fernandes ao ofício literário é um estímulo a todos os demais poetas, eletricistas, trabalhadores de oficina ou não. Pois o que ele faz da sua vida, as conexões que realiza entre o positivo e o negativo nos serve a todos, eternos meninos, eternos aprendizes, poetas em construção.
* Jornalista e escritor
Há inúmeros criadores anônimos na classe trabalhadora, gente com alma de artista que melhor suporta seu fardo, graças a essa visão poética da vida, do existir. O nosso Válter confirma o dito: a sólida argamassa da sua poesia lhe assegura casa própria e morada eterna - improváveis, mas inalienáveis, né Urariano?
ResponderExcluirO aparentemente banal fica valorizado pelos seus olhos e palavras, caro Urariano. Parece que a sua vida tem mais cor do que a dos outros, por que dela sabe retirar o que há de melhor. Palmas para a dupla!
ResponderExcluirUrariano nasceu com a missão de descobrir o que há de melhor nas pessoas, e leva a serio sua missão. Descobre talentos, encoraja, incentiva, e os traz à luz.
ResponderExcluirSe antes sentia vontade de voltar ao Recife, agora sou movida não apenas pela saudade, mas também pela vontade de conhecer essas pessoas que ele descobre, apenas andando pelas ruas, "como quem não quer querendo"...