São Francisco e Ronaldo, encantos de Minas
* Por Márcia Vieira (Yellow)
Vista por um lado, vista por outro, a roupa tem movimento. Estamos falando das criações de Ronaldo Fraga, o estilista da moda estática, porém, flutuante. Ele celebra a mulher, desconstrói o objeto, realça sua identidade.
Ronaldo caminha pelo sinuoso Rio “São Chico”, para nós, mineiros, norte-mineiros, terreno de riqueza incalculável. O passeio é rico, íntimo, produtivo. Começa pela nascente, ali na Canastra, e sem nada de canastrão, passa em Pirapora, se aboleta no Benjamim Guimarães e segue adiante.
No riacho, admira as lavadeiras e sua labuta. Roga a Santa Clara ou Santa Verônica, ambas, protetoras destas outras santas, pro rio não secar. Joga sal grosso, pra pedir proteção “e que água nunca vire sal”, diz ele, com olhos pedintes e emocionados, disfarçados por óculos de grossas lentes e aros de cor.
Em Bom Jesus da Lapa pede a bênção para seguir viagem. Percorre outros caminhos santos, respeita sinais, alimenta os peixes com olhar misericordioso, reproduz os irmãozinhos das águas em banners e em convite, que de princípio já é sedução. Olhos de peixinho morto convocam ao mergulho na coleção.
Em Cabrobó encontra a Iara, Mãe D’àgua. Comovido, lança-lhe afetuoso olhar e vaticina: “criarei uma veste que lhe cobrirá os seios e deixará confortável o seu ir e vir, sem desrespeitar as suas formas de mulher.”
Meio do caminho, um rosto de ar carrancudo mira o criador Ronaldo e murmura: “a expressão que vês é pura lenda, meu senhor. Carranca por fora, meiguice por dentro. Eu vim para proteger os barqueiros. Leve-me contigo e guiarei o teu caminho” E Ronaldo acolhe a carranca em seu embornal.
Desembarca em Brejo Grande e inicia a conspiração. “Do bem”, é bom lembrar. Conspirar é tramar, e pro ofício de tramas e rendas requisita suas senhorinhas, de mãos habilidosas e certeiras.
Viagem concluída, é hora de desfazer as malas, pendurar as roupas nos cabides, descansar os pés em sandálias rasteiras, ouvir discos do “Agreste”, ler José Antônio de Souza ao lado da “mineira montesclarina” Ivana, sua “paixão alegre” e aguardar visitantes em sua palhoça, tecida com os fios singulares e naturais colhidos ao longo do Velho Chico.
Abrimos os olhos e o que vislumbramos? Mais um capítulo de fé, fantasia e atitude, esculpida pelas mãos e mente criativa do navegante RONALDO FRAGA, o estilista ilimitável. Mágico. Surreal. Estuda e desveste a alma para vestir o corpo. Sutil. Trata com desvelo e ternura a sua mulher. Cria e recria histórias, onde pinta de encantamento e faz caminhar com pernas próprias a figura feminina, seu principal personagem.
Notas:
1- A exposição “Rio São Francisco Navegado por Ronaldo Fraga”, fica aberta aos visitantes no Montes Claros Shopping, até o dia 20 de setembro.
2- Ivana Neves, citada no texto, é montesclarense e esposa do estilista.
3- “Paixões Alegres”, do dramaturgo/roteirista José Antônio de Souza, nascido em Januária, cidade norte-mineira que acolhe parte do Rio São Francisco, é o livro citado por Ronaldo Fraga como o seu preferido
4- “Grupo Agreste” é um grupo musical da Montes Claros dos anos 80, já extinto, e que teve duas de suas músicas incluídas na trilha sonora da novela “Rosa Baiana”, da Rede Bandeirantes. O Grupo compôs uma música - A Lenda do Arco-Íris- que fala do Rio São Francisco.
* Márcia Vieira (Yellow) é repórter e membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros
* Por Márcia Vieira (Yellow)
Vista por um lado, vista por outro, a roupa tem movimento. Estamos falando das criações de Ronaldo Fraga, o estilista da moda estática, porém, flutuante. Ele celebra a mulher, desconstrói o objeto, realça sua identidade.
Ronaldo caminha pelo sinuoso Rio “São Chico”, para nós, mineiros, norte-mineiros, terreno de riqueza incalculável. O passeio é rico, íntimo, produtivo. Começa pela nascente, ali na Canastra, e sem nada de canastrão, passa em Pirapora, se aboleta no Benjamim Guimarães e segue adiante.
No riacho, admira as lavadeiras e sua labuta. Roga a Santa Clara ou Santa Verônica, ambas, protetoras destas outras santas, pro rio não secar. Joga sal grosso, pra pedir proteção “e que água nunca vire sal”, diz ele, com olhos pedintes e emocionados, disfarçados por óculos de grossas lentes e aros de cor.
Em Bom Jesus da Lapa pede a bênção para seguir viagem. Percorre outros caminhos santos, respeita sinais, alimenta os peixes com olhar misericordioso, reproduz os irmãozinhos das águas em banners e em convite, que de princípio já é sedução. Olhos de peixinho morto convocam ao mergulho na coleção.
Em Cabrobó encontra a Iara, Mãe D’àgua. Comovido, lança-lhe afetuoso olhar e vaticina: “criarei uma veste que lhe cobrirá os seios e deixará confortável o seu ir e vir, sem desrespeitar as suas formas de mulher.”
Meio do caminho, um rosto de ar carrancudo mira o criador Ronaldo e murmura: “a expressão que vês é pura lenda, meu senhor. Carranca por fora, meiguice por dentro. Eu vim para proteger os barqueiros. Leve-me contigo e guiarei o teu caminho” E Ronaldo acolhe a carranca em seu embornal.
Desembarca em Brejo Grande e inicia a conspiração. “Do bem”, é bom lembrar. Conspirar é tramar, e pro ofício de tramas e rendas requisita suas senhorinhas, de mãos habilidosas e certeiras.
Viagem concluída, é hora de desfazer as malas, pendurar as roupas nos cabides, descansar os pés em sandálias rasteiras, ouvir discos do “Agreste”, ler José Antônio de Souza ao lado da “mineira montesclarina” Ivana, sua “paixão alegre” e aguardar visitantes em sua palhoça, tecida com os fios singulares e naturais colhidos ao longo do Velho Chico.
Abrimos os olhos e o que vislumbramos? Mais um capítulo de fé, fantasia e atitude, esculpida pelas mãos e mente criativa do navegante RONALDO FRAGA, o estilista ilimitável. Mágico. Surreal. Estuda e desveste a alma para vestir o corpo. Sutil. Trata com desvelo e ternura a sua mulher. Cria e recria histórias, onde pinta de encantamento e faz caminhar com pernas próprias a figura feminina, seu principal personagem.
Notas:
1- A exposição “Rio São Francisco Navegado por Ronaldo Fraga”, fica aberta aos visitantes no Montes Claros Shopping, até o dia 20 de setembro.
2- Ivana Neves, citada no texto, é montesclarense e esposa do estilista.
3- “Paixões Alegres”, do dramaturgo/roteirista José Antônio de Souza, nascido em Januária, cidade norte-mineira que acolhe parte do Rio São Francisco, é o livro citado por Ronaldo Fraga como o seu preferido
4- “Grupo Agreste” é um grupo musical da Montes Claros dos anos 80, já extinto, e que teve duas de suas músicas incluídas na trilha sonora da novela “Rosa Baiana”, da Rede Bandeirantes. O Grupo compôs uma música - A Lenda do Arco-Íris- que fala do Rio São Francisco.
* Márcia Vieira (Yellow) é repórter e membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros
Lindo poema disfarçado de prosa, numa oração profana ao nosso rio. Com fala de devota, Márcia Vieira faz a viagem pela estrada dágua, junto com o criador de roupas e de casos - com as autoridades, bem entendido-, Ronaldo Fraga. Ele não cria por criar.
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