A reunião
* Por Rosana Maria
Segunda de manhã e estou preparadíssima para a reunião a qual fiquei estudando todo o final de semana. Ta bom, nem todo o fim de semana; dormi uma boa parte no sofá de casa, depois no sofá de corino da tia Júlia onde almocei no domingo, assisti a uma dúzia de filmes e depois sai com alguns amigos. Resumindo, uma hora de preparação. Chegando ao escritório com o meu terninho e vestido novo só para impressionar, meu chefe dá um grito de sua sala:
-SuZelen!!
-Sim senhor. Me chamou? Ou melhor, me gritou? – com o olhar irônico ele disse:
-Chamei sim. É para lembrá-la da reunião. Está preparada? Quero mostrar que o meu pessoal é bem capacitado por mim. Preciso impressionar – ele exalava empolgação.
-Senhor eu estudei muito no final de semana (mentira), e quero lembrar que estou sempre apta e com total disposição para qualquer desafio.
-Assim espero! – desafiou-me com o olhar.-Antes de qualquer coisa, devo lembrá-la que irá sozinha à reunião, que não acontecerá aqui.
-É eee. Em que local será?
-No Setor Comercial Sul – agora ele falava com um ar de prazer! -Às nove horas. Por isso não se atrase.
“Como assim no Setor Comercial Sul?! Aquele lugar é um inferno pra achar uma vaga!”, fiquei pensando durante alguns minutos enquanto o meu rosto ficava paralisado, imaginando quão horrível seria encontrar uma pequena e misera vaga naquele lugar, e ainda chegar no horário. “É impossível chegar na hora com o tanto de coisas que ainda tenho para fazer. Como vou achar uma vaga? Isso...”, fui interrompida.
-Não se preocupe quanto à vaga.
Ufa! Senti-me mais aliviada. Agora sei que meu chefe é um cara legal, irá mandar o motorista me levar. Claro! E eu falando mal do cara. Até senti vergonha de ter malhado ele quando usou um terno e calça xadrez, querendo combinar na festa de fim de ano.
-Não SuZelen, não se preocupe querida, porque você poderá ir de ônibus mesmo, para evitar atraso e aborrecimentos!
“Que cretino! De ônibus?! Agora sim me arrependo de não o ter chamado de Chico Bento na frente do diretor geral. Odeio esse cara!”
-Posso morrer antes? – Ele riu e me mandou que fechasse a porta, mas antes de sair deixei meu recado
-Quero lembrar para o senhor que meu nome não é SuZelen, é, sim Susie Helen..
“A gente precisa impor um pouco de respeito e dignidade dentro de uma empresa. E para não deixar barato, antes de ir para o SCS, fiz uma montagem no photoshop com o rosto do meu chefe e o corpo do Chico Bento e colei no mural! Muito adulto.
Deu o horário de ir para reunião. Peguei o elevador e um ônibus zebrinha lotado de gente pobre, com sacolas, guarda-chuvas e todo tipo de assessórios que incomodam a todos, inclusive quem está carregando. Como não tinha lugar para sentar, fiquei em pé segurando um computador, minha bolsa e minha raiva. Mas como tudo na vida pode piorar ainda mais, eis que entra uma criatura das cavernas (bom, pelo menos é o que ele parecia). com os cabelos desgrenhados, roupa suja, rasgada e um cheiro que me fez lembrar a quentinha da dona Geralda do 2ª andar. A criatura gritou ali mesmo perto do motorista, que virou o rosto para a janela na tentativa de não sentir o odor.
-Bom, gente, eu podia ta ai matano, robano, marrrr, eu veio aqui pedi algo diferenti. Eu num queru ajuda dô cês naun, eu nun quero ismola naun.
Achei muito digno da parte dele, não querer esmola. Pensei: “o que será que ele quer então?”.
-Eu quero é um dinhero pra tomar banhio, pra eu pudê arrumar um trabaio.
“O que eu tenho a ver com isso?”, me fiz essa pergunta três vezes. Será que ele não sabe que existem banheiros públicos? Será que ele não sabe da existência de chuveiros no Parque da Cidade? Será que ele não sabe que geralmente chove em janeiro? Ta, estamos em setembro, mas e daí? Jurei aumentar a foto do Chico Bento no mural e distribuir entre os outros andares.
Entrando na sala da reunião, que estava mais derrubada que a Preta Gil, eis que entram os outros participantes. Débora, uma garota baixinha, ruiva e com um salto que daria inveja a qualquer drag queen. Mauro, um cara baixo, calvo e com suéter amarelo. Sentado à minha direita, estava Claudinei, sujeito alto, de cabelos lambidos e dividido simetricamente ao lado, com uma mecha loira na franja. E ainda me dava uma piscadela de cinco em cinco segundos. Na hora achei que ele estava me paquerando, depois fiquei sabendo que era um tique. À minha esquerda ficou dona Laura, uma senhora já de idade avançada, que mal conseguia ver o que estava escrito no papel, quanto mais o que estava escrito no data show. Com um atraso de quinze minutos, eis que chega Daniel, um moreno não muito alto, bonitinho, sensual e representante da empresa em São Paulo. Ele logo foi abrindo a reunião com um sorriso que mais parecia um comercial de pastas de dente.
Daniel falou durante uns quarenta minutos, que pareciam quinze. Ele andava pela sala, falava sobre o último balanço e eu já imaginava minha vida com ele, meus filhos, casa e cachorro.
Susie Helen! – ele chamou meu nome três vezes, enquanto eu ficava com cara de idiota, olhando para ele sem entender o que os seus lábios diziam.
-Você pode falar agora?
-Oi. Sim, aceito, ou eu falo é claro! – levantei da cadeira como se estivesse em um clip do George Michael, quando ele dizia que gostava de mulheres. Fui caminhando para frente da sala, olhando e seduzindo Daniel, que me olhava com os olhos semi-serrados. Peguei meu pen driver pausadamente dentro da bolsa, que acabou escapando das minhas mãos e caindo embaixo da mesa. Lentamente me abaixei e rapidamente levantei a minha cabeça, que bateu por baixo da mesa, e a levantou, esparramando as folhas e o computador. Cai no chão, meio desmaiada e o resto da metade fingindo estar, já que me encontrava embaixo da mesa com uma tremenda dor e envergonhada. Daniel tentou me acordar com umas sacudidelas, mas preferi manter o suposto desmaio. Simulei uma abertura dos olhos e vi os outros participantes com as mãos na boca dando risinhos. Que ódio daquela anã de salto alto!
-Você está bem? – perguntou Daniel.
-Acho que sim – respondi, fingindo está desnorteada.
-Você nos assustou. Posso fazer alguma coisa? “Que tal casar comigo”, pensei.
-Quer água?
-Estou melhor. Acho que podemos continuar a reunião.
Estava tentando demonstrar que tudo parecia estar sob controle, e ainda sair por cima daquela situação patética. Desta vez foi Daniel que pegou o pen driver e arrumou o data show.
-Bom, eu... – eis que ouço risinhos. Olho para trás e todos pareciam sérios. Mas quando virava para frente, os risinhos voltavam e voltavam e foi assim até o término da reunião. Depois Mauro e Claudinei vieram juntos me cumprimentar. Mauro disse que jamais esqueceria da reunião. Débora, aquela anã de salto alto, me contou que adorou participar. “Ridícula e projeto de mulher!”, pensei.
Dona Laura tagarelava que não entendeu muito bem, principalmente depois que eu caí. Em seguida ele veio, o mais lindo de todos, Daniel apertou a minha mão e afirmou falar com meu chefe para que eu nunca mais ficasse fora dessas reuniões. Assegurou estar encantado com a minha apresentação. E deve ter ficado impressionado mesmo é com a cabeçada que dei na mesa. Aliás, ele me chamou para almoçar e disse que eu tinha algo parecido com o jogador Zidane. Uma boa cabeçada. Rimos e, é claro, trocamos os números dos telefones. Achei incrível que mesmo depois da minha performance ele ainda queria me conhecer. Ótimo!
Após o almoço, voltei para a empresa. Meu chefe estava zangado querendo saber quem tinha feito a brincadeira no mural. Obvio que afirmei que não era eu. Disse-lhe que deve ser brincadeira de algum estagiário.
-Fiquei sabendo da reunião. Estou muito satisfeito.
Chamou todos os outros funcionários para a sua sala e disse, em voz alta:
-Estou chamando todos aqui, para comentar a respeito da reunião em que SuZelen incrivelmente participou. Estou emocionado e extraordinariamente estupefato com o seu desempenho.
Senti-me comovida com as palavras dele. Novamente me arrependi da brincadeirinha com a foto.
-E agora que a reunião acabou, você pode nos contar em detalhes como foi cair na frente do nosso representante de São Paulo.
Todos começaram a rir incontrolavelmente. Só tive uma opção naquele momento: espalhar as fotos por todos os departamentos e enviar uma anônima para o diretor geral.
* Jornalista e colaboradora do Literário
* Por Rosana Maria
Segunda de manhã e estou preparadíssima para a reunião a qual fiquei estudando todo o final de semana. Ta bom, nem todo o fim de semana; dormi uma boa parte no sofá de casa, depois no sofá de corino da tia Júlia onde almocei no domingo, assisti a uma dúzia de filmes e depois sai com alguns amigos. Resumindo, uma hora de preparação. Chegando ao escritório com o meu terninho e vestido novo só para impressionar, meu chefe dá um grito de sua sala:
-SuZelen!!
-Sim senhor. Me chamou? Ou melhor, me gritou? – com o olhar irônico ele disse:
-Chamei sim. É para lembrá-la da reunião. Está preparada? Quero mostrar que o meu pessoal é bem capacitado por mim. Preciso impressionar – ele exalava empolgação.
-Senhor eu estudei muito no final de semana (mentira), e quero lembrar que estou sempre apta e com total disposição para qualquer desafio.
-Assim espero! – desafiou-me com o olhar.-Antes de qualquer coisa, devo lembrá-la que irá sozinha à reunião, que não acontecerá aqui.
-É eee. Em que local será?
-No Setor Comercial Sul – agora ele falava com um ar de prazer! -Às nove horas. Por isso não se atrase.
“Como assim no Setor Comercial Sul?! Aquele lugar é um inferno pra achar uma vaga!”, fiquei pensando durante alguns minutos enquanto o meu rosto ficava paralisado, imaginando quão horrível seria encontrar uma pequena e misera vaga naquele lugar, e ainda chegar no horário. “É impossível chegar na hora com o tanto de coisas que ainda tenho para fazer. Como vou achar uma vaga? Isso...”, fui interrompida.
-Não se preocupe quanto à vaga.
Ufa! Senti-me mais aliviada. Agora sei que meu chefe é um cara legal, irá mandar o motorista me levar. Claro! E eu falando mal do cara. Até senti vergonha de ter malhado ele quando usou um terno e calça xadrez, querendo combinar na festa de fim de ano.
-Não SuZelen, não se preocupe querida, porque você poderá ir de ônibus mesmo, para evitar atraso e aborrecimentos!
“Que cretino! De ônibus?! Agora sim me arrependo de não o ter chamado de Chico Bento na frente do diretor geral. Odeio esse cara!”
-Posso morrer antes? – Ele riu e me mandou que fechasse a porta, mas antes de sair deixei meu recado
-Quero lembrar para o senhor que meu nome não é SuZelen, é, sim Susie Helen..
“A gente precisa impor um pouco de respeito e dignidade dentro de uma empresa. E para não deixar barato, antes de ir para o SCS, fiz uma montagem no photoshop com o rosto do meu chefe e o corpo do Chico Bento e colei no mural! Muito adulto.
Deu o horário de ir para reunião. Peguei o elevador e um ônibus zebrinha lotado de gente pobre, com sacolas, guarda-chuvas e todo tipo de assessórios que incomodam a todos, inclusive quem está carregando. Como não tinha lugar para sentar, fiquei em pé segurando um computador, minha bolsa e minha raiva. Mas como tudo na vida pode piorar ainda mais, eis que entra uma criatura das cavernas (bom, pelo menos é o que ele parecia). com os cabelos desgrenhados, roupa suja, rasgada e um cheiro que me fez lembrar a quentinha da dona Geralda do 2ª andar. A criatura gritou ali mesmo perto do motorista, que virou o rosto para a janela na tentativa de não sentir o odor.
-Bom, gente, eu podia ta ai matano, robano, marrrr, eu veio aqui pedi algo diferenti. Eu num queru ajuda dô cês naun, eu nun quero ismola naun.
Achei muito digno da parte dele, não querer esmola. Pensei: “o que será que ele quer então?”.
-Eu quero é um dinhero pra tomar banhio, pra eu pudê arrumar um trabaio.
“O que eu tenho a ver com isso?”, me fiz essa pergunta três vezes. Será que ele não sabe que existem banheiros públicos? Será que ele não sabe da existência de chuveiros no Parque da Cidade? Será que ele não sabe que geralmente chove em janeiro? Ta, estamos em setembro, mas e daí? Jurei aumentar a foto do Chico Bento no mural e distribuir entre os outros andares.
Entrando na sala da reunião, que estava mais derrubada que a Preta Gil, eis que entram os outros participantes. Débora, uma garota baixinha, ruiva e com um salto que daria inveja a qualquer drag queen. Mauro, um cara baixo, calvo e com suéter amarelo. Sentado à minha direita, estava Claudinei, sujeito alto, de cabelos lambidos e dividido simetricamente ao lado, com uma mecha loira na franja. E ainda me dava uma piscadela de cinco em cinco segundos. Na hora achei que ele estava me paquerando, depois fiquei sabendo que era um tique. À minha esquerda ficou dona Laura, uma senhora já de idade avançada, que mal conseguia ver o que estava escrito no papel, quanto mais o que estava escrito no data show. Com um atraso de quinze minutos, eis que chega Daniel, um moreno não muito alto, bonitinho, sensual e representante da empresa em São Paulo. Ele logo foi abrindo a reunião com um sorriso que mais parecia um comercial de pastas de dente.
Daniel falou durante uns quarenta minutos, que pareciam quinze. Ele andava pela sala, falava sobre o último balanço e eu já imaginava minha vida com ele, meus filhos, casa e cachorro.
Susie Helen! – ele chamou meu nome três vezes, enquanto eu ficava com cara de idiota, olhando para ele sem entender o que os seus lábios diziam.
-Você pode falar agora?
-Oi. Sim, aceito, ou eu falo é claro! – levantei da cadeira como se estivesse em um clip do George Michael, quando ele dizia que gostava de mulheres. Fui caminhando para frente da sala, olhando e seduzindo Daniel, que me olhava com os olhos semi-serrados. Peguei meu pen driver pausadamente dentro da bolsa, que acabou escapando das minhas mãos e caindo embaixo da mesa. Lentamente me abaixei e rapidamente levantei a minha cabeça, que bateu por baixo da mesa, e a levantou, esparramando as folhas e o computador. Cai no chão, meio desmaiada e o resto da metade fingindo estar, já que me encontrava embaixo da mesa com uma tremenda dor e envergonhada. Daniel tentou me acordar com umas sacudidelas, mas preferi manter o suposto desmaio. Simulei uma abertura dos olhos e vi os outros participantes com as mãos na boca dando risinhos. Que ódio daquela anã de salto alto!
-Você está bem? – perguntou Daniel.
-Acho que sim – respondi, fingindo está desnorteada.
-Você nos assustou. Posso fazer alguma coisa? “Que tal casar comigo”, pensei.
-Quer água?
-Estou melhor. Acho que podemos continuar a reunião.
Estava tentando demonstrar que tudo parecia estar sob controle, e ainda sair por cima daquela situação patética. Desta vez foi Daniel que pegou o pen driver e arrumou o data show.
-Bom, eu... – eis que ouço risinhos. Olho para trás e todos pareciam sérios. Mas quando virava para frente, os risinhos voltavam e voltavam e foi assim até o término da reunião. Depois Mauro e Claudinei vieram juntos me cumprimentar. Mauro disse que jamais esqueceria da reunião. Débora, aquela anã de salto alto, me contou que adorou participar. “Ridícula e projeto de mulher!”, pensei.
Dona Laura tagarelava que não entendeu muito bem, principalmente depois que eu caí. Em seguida ele veio, o mais lindo de todos, Daniel apertou a minha mão e afirmou falar com meu chefe para que eu nunca mais ficasse fora dessas reuniões. Assegurou estar encantado com a minha apresentação. E deve ter ficado impressionado mesmo é com a cabeçada que dei na mesa. Aliás, ele me chamou para almoçar e disse que eu tinha algo parecido com o jogador Zidane. Uma boa cabeçada. Rimos e, é claro, trocamos os números dos telefones. Achei incrível que mesmo depois da minha performance ele ainda queria me conhecer. Ótimo!
Após o almoço, voltei para a empresa. Meu chefe estava zangado querendo saber quem tinha feito a brincadeira no mural. Obvio que afirmei que não era eu. Disse-lhe que deve ser brincadeira de algum estagiário.
-Fiquei sabendo da reunião. Estou muito satisfeito.
Chamou todos os outros funcionários para a sua sala e disse, em voz alta:
-Estou chamando todos aqui, para comentar a respeito da reunião em que SuZelen incrivelmente participou. Estou emocionado e extraordinariamente estupefato com o seu desempenho.
Senti-me comovida com as palavras dele. Novamente me arrependi da brincadeirinha com a foto.
-E agora que a reunião acabou, você pode nos contar em detalhes como foi cair na frente do nosso representante de São Paulo.
Todos começaram a rir incontrolavelmente. Só tive uma opção naquele momento: espalhar as fotos por todos os departamentos e enviar uma anônima para o diretor geral.
* Jornalista e colaboradora do Literário
A graça do trivial está na maneira inusitada de mostrar os fatos. A queda do pen drive deve ter acontecido devido ao nervosismo.
ResponderExcluirReparo: "-Acho que sim – respondi, fingindo está desnorteada."
Não seria "estar"?