quarta-feira, 9 de setembro de 2009


O frango assado

* Por Rúbia Cipriano

Vida de paulistano, quase sempre, não muda. Não, pelo menos, o assunto preferido deles, o futebol. Domingo, como num ritual, a esposa pede para o marido comprar um frango assado na padaria. Mais que depressa, ele sai para cumprir a ordem. Chega à padaria e logo grita para o Sr. Manuel, dono da padaria: “reserva um frango aí pra mim!”. E, de pronto, a resposta: “pode deixar”. E diz, como se não houvesse alternativa: “vê-me uma cervejinha, enquanto eu espero o frango”. O balconista muito prestativo, fala: “já tem frango pronto”. Ele nem olha direito e diz: “tá meio branco, vou esperar o próximo”.

Relaxa o pé de havaianas por sobre o outro e logo puxa papo com os outros maridos que lá estão à espera do pretexto frango.
-E aí cara, você viu o timão ontem?
- Tá brincando cara, aquilo foi marmelada, vocês só ganharam porque o juiz é cego!
- Que cego, cara, aquela entrada que o idiota deu nele, era pra cartão vermelho...
Logo o balconista retruca:
- É isso mesmo, esse cara tinha que ser preso...

Pronto. A confusão e o bate-boca estão formados. É um concordando de um lado, outro discordando de outro, até o Sr. Manuel gritar do caixa:
-Pois, pois. Vocês não entendem nada de futebol mesmo. Bom era no meu tempo. Hoje só tem um bando de perneta correndo atrás de dinheiro. Eles não jogam mais com o coração.
Em meio a vozes exaltadas, o tal cidadão lembra-se da esposa e pergunta:
-E o franguinho, será que tá bom?

Dessa vez o balconista, sem nem olhar direito, e gostando da bagunça, responde:
-Não, não, tá cru ainda.

O cidadão se sente menos culpado, pede uma saideira, dá uma olhadinha no relógio, fica alguns segundos com o olhar distante, como se estivesse pensando na família, nas contas para segunda-feira, respira fundo e volta a falar do timão. Por que será que as horas voam quando estamos entre os amigos? Já são duas da tarde e a vontade de ficar mais um pouquinho é grande. “Mas e o almoço?”, se pergunta o cidadão já meio aflito.
Muda, então, a entonação de voz, estufa o peito e diz:
-Tira o frango lá meu, eu tô com pressa.

O balconista, já o conhecendo, vai, mais que depressa, tirar o frango já morno. Ele chega até o caixa, com ar de homem sério, e diz:
-E aí, sô Manuel, quatro cervejas e um frango, quanto é?

Paga, pega a sacolinha com o frango e vai para casa, tenso pelo adiantado das horas, mas feliz e refeito. Pronto para mais uma semana de trânsito caótico, de filas intermináveis e de trabalho maçante. Tudo bem, o nosso paulistano já está acostumado. Vai passar a semana toda esperando, ardentemente, o domingão, para comprar frango assado na padaria do Sr. Manuel.

* Colaboradora do Literário

2 comentários:

  1. A crônica parece triste, mas meus amigos paulistanos dizem que não podem viver sem a sua cidade. Ao que parece, coisas do amor não se explicam.

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  2. O texto me carregou para um local e situação que não queria lembrar. Mas, assim como os maridos vão à padaria sem querer, também o meu pensamento teima em me levar para um lugar inóspito.

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