segunda-feira, 6 de junho de 2016

Sós em definitivo

* Por Daniel Santos

Foi de surpresa. Desentocaram-nos de suas casas e eles aceitaram o confisco, na ilusão de que alguém reagiria. Mas, nada! Entenderam, então, tardiamente, que a inércia, apesar de confortável, precede a derrota.

Organizados em duas colunas, começaram a descer pela grande ladeira, silentes, em estado de perplexidade, porque nada lhes explicaram, apesar de tantos insistirem e insistirem em saber a razão daquele assalto.

Chegaram, enfim, à praça sob o exame de uma ralé invejosa que tentava discretamente tocar suas roupas caras: mais rebeldes que revolucionários, também essa gente queria encontrar a chave do cofre.

E a queriam só para si. Tanto que não devolveram o sorriso algo covarde com que os confiscados pediam conivência, pois estes precisavam de apoio para se safarem na véspera da exclusão. Mas o apoio não veio!

Sós em definitivo, aguardaram que os chamassem um a um pelos nomes. Depois, não bastasse tanto constrangimento, abarrotaram os vagões de um trem que os dispersou para bem longe dali, sem mais notícias.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.





Um comentário:

  1. Pensei num trem para os campos de concentração.
    Destaco: "a inércia, apesar de confortável, precede a derrota." Vamos nos mexer antes que seja tarde.

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