Prefácio ao
livro inexistente
* Por
Marcelo Sguassábia
"Quando é que sai
o livro?", perguntam-me isso sempre. Minha resposta, definitiva e
inapelável: nunca. Se Deus quiser nunquinha, pelo menos no que depender de mim
esse equívoco não será cometido.
É confortadora a ideia
de que a publicação virtual pode ser editada a qualquer momento, e que a coluna
de jornal, tão logo seja lida (se é que será), passará a forrar gaiolas de
papagaio. Eu vejo uma espécie de segurança nessas plataformas, de
reversibilidade da obra e, consequentemente, da reputação de quem a assina.
Nada de volume, de editora, de noite de autógrafo, de virar adorno de prateleira ou encheção de linguiça no
currículo.
O livro é um tijolo à
prova de arrependimento, é obra catalogada na Biblioteca Nacional, passa de mão
em mão e espalha-se mundo afora, ainda que seja pequena a tiragem. Se o escriba
renega a cria, não há chance de reparar o erro. A menos que faça um recall,
oferecendo recompensa por exemplar devolvido. Uma espécie de errata da obra
toda.
Um livro é um negócio
com aura de testamento, de coisa pronta e acabada. Não há o que possa ser feito
depois de impresso, e essa perspectiva é uma sentença dura demais. Nega ao
pobre do escritor a chance do control Z. A supressão de um advérbio mal
empregado, um ponto-e-vírgula que poderia muito bem ser ponto, uma palavra
repetida dentro do mesmo parágrafo, a troca de um substantivo que faria toda
diferença. Dizem que o Graciliano Ramos acordava de madrugada, cismando de
mudar uma palavra, corria à gráfica e mandava parar as máquinas para fazer a correção.
E sendo ele quem era: o imortal Graça.
Mas o pior não são
esses escorregões de forma, e sim os desarranjos de conteúdo. Um assunto
escolhido na falta de outro melhor, um final sem charme, algo que na hora
parecia bom mas que irá, lá na frente, macular o bom nome do autor e trazer
constrangimento à descendência...
Para completar, o pior
e mais humilhante dos riscos que um incauto escrevinhador pode correr:
encontrar o seu rebento em um sebo, naquela banquinha de 1 real, autografado e
tudo. E ainda ficar sabendo quem foi o amaldiçoado que vendeu, por quase nada,
aquilo que um dia valeu tanto.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Nisso, somos gêmeos, se é que escreve como personagem, Marcelo. Escrevo publicamente há 16 anos e semanalmente há mais de doze. O material já alcança a vastidão, mas terá qualidade? Sofro dos mesmos males que você. Por enquanto, outro livro não!
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