sábado, 5 de março de 2016

Devaneios de uma roqueira - Recapitulação


* Por Fernando Yanmar Narciso


Recapitulando...


PRÓLOGO


Falaí, moçada! Tudo no mais santo caos? Por aqui tudo continua na mesma... Anyway, meu nome é Alexia, tenho 26 anos e vivo num lugarejo frio, ventoso e mais pobre que o meu juízo chamado São Modesto, a Sudoeste de ‘Xisdifora’. Pois é, ‘nóis é minerim, cumpádi!’ (Risos)

Posso ser meio ‘capioa’, falar arrastando os erres e ter uma voz meio esganiçada, mas ‘num’ sou nenhuma besta. Muito pelo contrário, quando tinha cinco anos me fizeram um teste de Q.I no colégio e ‘num’ tinha ninguém no prédio todo com mais cabeça que eu. Minha memória é tão boa que me lembro até do meu próprio nascimento! Mas por ironia do destino, ‘tumém’ fui premiada com um rosto lindo e um corpão que todas na região invejam, e então ninguém me leva a sério por minhas ideias...

Sempre fui um tanto excêntrica. Minhas três maiores paixões são minha vasta juba ruiva, a música e, é claro, o MEU Kurt Cobain! Aos três anos ouvi o Nirvana pela 1ª vez e só Kurt Cobain lá no inferno sabe o quanto eu o amo. Essa pintura dele que ocupa a parede de meu quarto quase toda pode dar a ‘ocêis’ uma pista ou duas...

Faço mais o tipo ‘loba solitária’. Tô em meu elemento quando toco minha guita Schecter verde-oliva ou bato perna sozinha pelo asfalto, perdida em meus delírios, conversando com as plantas e assobiando alguma coisa de minha coleção de vinis. Além da aparência, que destoa um ‘cadim’ da minha personalidade, os deuses da ironia também me agraciaram com um tesão selvagem.

Se alguém vier me desafiar, ‘num’ tem quem me segure! Já conheci muito metido a garanhão que teve de ir tomar glicose na veia depois de uma rapidinha comigo. Meu desejo sexual tem tanta fama na região que já me apelidaram de ‘Armadilha de Urso’! Precisa ter medo não, gente, eu só mordo se ‘ocêis’ pedirem! (Risos)

Descobri meu dom pra música ainda neném quando, por instinto, inverti as cordas de um violão ’véio’ lá em casa e tirei minha primeira música de ouvido... Eruption, do Van Halen! Nem preciso tá ouvindo, consigo tirar qualquer som na lembrança. Aos nove a meninada no colégio me chamava de ‘Slash de saias’.

Mesmo sem formação acadêmica em teoria musical, sou professora no conservatório da cidade. Olho pra cara de uns cinquenta pirralhos toda tarde, e apesar de o coordenador do conservatório viver ameaçando me despedir, nenhuma mãe nunca veio reclamar de o filho ‘num’ saber tocar.

E olha que eu faço por merecer as ameaças de demissão... Normalmente sou bem sossegada e antissocial, mas basta os goles começarem a vir pra eu virar a rainha do vexame! Já perdi a conta de quantas vezes já cheguei ao trabalho mal me aguentando em pé, com bafo de birita vagabunda e pasta de dente mais vagabunda ainda. Mas aqueles meninos gostam tanto de mim que já fizeram ‘inté’ greve de fome pra me segurar no emprego! Dá pra acreditar?

Minha mãe, Maria Ibanez, é daqui mesmo de Modesto, mas meu pai, Gunnar, era um beatnik muito doido vindo de Amsterdã, e só Kurt Cobain lá no inferno entenderia como ele chegou aqui nesse fim de mundo. Infelizmente ‘num’ cheguei a conhecer papai, pois ele ‘num’ aguentou a emoção de me ver nascendo e assinou o passaporte pro além ali mesmo, na sala de parto.

Mãe nunca superou a morte dele, passou a me usar como bode expiatório e desde que me entendo por gente vivemos às rusgas e turras. Patience, né? Vivi com ela em ‘Belzônti’ até os treze, quando fugi de casa. Bati perna a esmo pelo país por alguns anos até que voltei para São Modesto, pra morar com tia Flor, tio Totonho e minha prima Bárbara.

Barbie é um caso especial. Desde neném nunca tive uma amiga melhor que ela, já foi minha babá muitas vezes... Mas a pobre tem um gênio do cão! Tia Flor descende de uma tribo indígena guerreira lá do Acre, e Barbie herdou esse sangue guerreiro ligado no overdrive! Moça valente e forte igual um cavalo, maníaca por ordem e limpeza, se encontra um fiapo de cabelo no chão que acabou de encerar, é melhor ‘nóis’ fugir pro abrigo antibombas. Nem sei como ela aceita rachar esse quarto de hotel comigo a tantos anos, de tão relaxada e bagunceira que eu sou...

Anyway, somos cantoras e compositoras de nossa dupla de rock psicodélico, Margaridas Psicóticas, além de frentistas do Posto Mato Seco, que fica a 10 quilômetros da cidade. Minha prima sonha toda noite com esse lugar queimando até desmoronar, e os poucos fregueses que ainda conseguimos ter presos, assando dentro do restaurante. Tenho a leve impressão que ela ‘num’ é muito fã daqui... (Risos)

Na década de 70, quando a estrada ainda era de terra, esse posto era o grande point da região, pois a forma como o caminho era desenhado forçava qualquer veículo a passar por dentro dele. Tio Totonho foi o cidadão de São Modesto mais rico e influente daquela época. Então veio o progresso e asfaltaram a estrada em linha reta de ‘Xisdifora’ até São Modesto.

E meu tio, que já ‘teve’ a ponto de ser nosso prefeito, caiu na miséria e perdeu todos os parafusos que tinha. Acabou fazendo de minha prima um tipo de refém no posto, na troncha ilusão que ela sozinha pode fazer esse lugar ressurgir das cinzas como a fênix algum dia. ‘Num’ importa o quanto Barbie implore, o velhote bebum ‘num’ vai deixá-la sair daqui nunca e viver a própria vida. Minha prima tem bem seus motivos pra ser tão amargurada e açoitada, right?

Quem me descolou o bico no conservatório foi Ulysses, um camelô caribenho que mora num calhambeque tunado imenso dos anos 40 ou 50, I dunno. Vive enrolado com as ‘puliça’ do Estado e cercado das companhias mais esquisitas do mundo. Yeah, I’m talkin’ about me... ‘Num’ vale uma bala babada, mas a malandragem dele é de uma meiguice tão grande que é impossível resistir ao seu carisma. Sem falar no sorriso, Kurt Cobain, que fuckin’ sorriso! A gente já ficou por dois anos e ele tentou até ser nosso empresário e membro da banda, mas eu sei que a grande paixão dele, depois da erva, é minha prima.

Quando ‘num’ tem nenhum show agendado, eu e Barbie costumamos passar os FDS no Casarão Da Paz, um decadente sítio- pousada enfiado no meio da mata, a uns quilômetros do posto. Um casal de velhinhos hippies são os donos do lugar: Reinaldo Xamã, que se diz porta-voz de uma divindade indiana e passa dias quase inteiros em transe, por causa de todo o LSD que deram pra ele em Woodstock, e sua esposa Vó Ganesha, uma verdadeira cientista louca de afrodisíacos e chazinhos alucinógenos. As poções e incensos ‘mágicos’ de Vó Ganesha são as únicas coisas capazes de fazer Barbie deixar o stress mais ou menos de lado por um tempo.

Geralmente Modesto é bem calma e ociosa como é costume em cidadezinhas do interior, mas quando acontece alguma coisa, o ‘causo’ é digno de ser lecionado em aulas de História!
Querem descobrir?

Alexia, sua não tão confiável narradora.

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
cyberyanmar@gmail.com

Conheçam meu livro! http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer

Um comentário:

  1. Recordar é reviver, ainda que essas meninas mal vivam nesse fim de mundo que é São Modesto.

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