Castiguinho
* Por
Hilton Gorresen
Toda semana se
encontrava com a morena de Brusque. Ela era casada, sem filhos, o marido um
funcionário miúdo de repartição pública. Adorava tudo nela, as pernas roliças,
sovando uma na outra, o dedão do pé mais curto, o suor fino no rosto e
sobretudo o sotaque açoriano.
Encontravam-se perto
da rodoviária, ele abria a porta do carro e vupt! a morena se abancava e
seguiam para o apartamento, às vezes para um motel.
Criativa, ela sempre
inventava um troço diferente. O que ele gostava mais era o “castiguinho”.
– Castiguinho não,
pelo amor de Deus! – ele fazia encenação, fingindo que não queria, pra ficar
mais gostoso. Ainda mais que ela falava “caxtiguinho”.
– O menino foi
malcriado. Tem de levar caxtiguinho – dizia ela.
Certo dia:
– Hoje vai ser
caxtiguinho duplo, acabei de inventar.
Com isso tinha
conseguido dele o aparelho de som, a lavadora de louça, quitação do carnê do
jogo de quarto, um aparelho de barbear – presente para o maridão –, entre outros.
– Como é que você
explica em casa esses presentes?
– Ele acha que tenho
economias, do tempo de vendedora da Avon.
Um dia, o marido
morreu. Afogado numa pescaria. Compareceu ao enterro, só observando de longe.
Viu o caixão baixar à cova, cheio de coroas de flores em cima, uma velhinha
seca que se lamentava, abraçada a um jovem, e a morena de preto, fazendo seu
papel de viúva inconsolável. Imaginou que talvez fosse ele, o maridão defunto,
que a levava aos encontros semanais, deixando-a na rodoviária. Era um reforço
aos seus minguados vencimentos.
Acabou casando com a
viúva. Era um amor velho, já havia se acostumado a ela. Esta, por sua vez, para
não perder o costume, arranjou um amante em Brusque. Era ele sair para o
emprego, pegava o Fiat que ganhara de presente e ia encontrar o outro na
rodoviária. Uma vez por semana.
Começou a desconfiar
quando ela lhe deu uma jaqueta de couro no aniversário. Disse que eram
economias de quando trabalhava com a Avon. Certamente não se lembrou de que ele
“já havia visto esse filme”.
Precisava de provas.
Assim como havia corneado o antigo marido com ele, quem sabe se também não o
estava passando pra trás. Antes de chegar ao cúmulo de mandar segui-la,
resolveu deixar um gravador escondido no quarto. Será que ela se atreveria a
trazer macho para seu “santo lar”? Vamos tentar... Qualquer evidência, levava o
gravador para seu advogado e conseguia a separação numa boa. Adultério.
Não esperou muito.
Numa sexta-feira, à noite, ao rodar o aparelho, viu que havia algo gravado:
– Castiguinho não! Eu
não mereço. O que eu fiz pra ganhar castiguinho? – era uma voz grossa, fingindo
indignação.
– Foi um menino
malcriado. Vai ganhar caxtiguinho triplo.
Triplo? Com ele, nunca
tinha chegado no triplo. Como seria? Desistiu de utilizar o material gravado. O
juiz não ia entender essas intimidades.
*
Escritor catarinense, autor de seis livros: cinco de crônicas e um de memórias.
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