quarta-feira, 9 de março de 2016

Castiguinho


* Por Hilton Gorresen


Toda semana se encontrava com a morena de Brusque. Ela era casada, sem filhos, o marido um funcionário miúdo de repartição pública. Adorava tudo nela, as pernas roliças, sovando uma na outra, o dedão do pé mais curto, o suor fino no rosto e sobretudo o sotaque açoriano.

Encontravam-se perto da rodoviária, ele abria a porta do carro e vupt! a morena se abancava e seguiam para o apartamento, às vezes para um motel.

Criativa, ela sempre inventava um troço diferente. O que ele gostava mais era o “castiguinho”.
– Castiguinho não, pelo amor de Deus! – ele fazia encenação, fingindo que não queria, pra ficar mais gostoso. Ainda mais que ela falava “caxtiguinho”.
– O menino foi malcriado. Tem de levar caxtiguinho – dizia ela.

Certo dia:
– Hoje vai ser caxtiguinho duplo, acabei de inventar.

Com isso tinha conseguido dele o aparelho de som, a lavadora de louça, quitação do carnê do jogo de quarto, um aparelho de barbear – presente para o maridão –, entre outros.
– Como é que você explica em casa esses presentes?
– Ele acha que tenho economias, do tempo de vendedora da Avon.

Um dia, o marido morreu. Afogado numa pescaria. Compareceu ao enterro, só observando de longe. Viu o caixão baixar à cova, cheio de coroas de flores em cima, uma velhinha seca que se lamentava, abraçada a um jovem, e a morena de preto, fazendo seu papel de viúva inconsolável. Imaginou que talvez fosse ele, o maridão defunto, que a levava aos encontros semanais, deixando-a na rodoviária. Era um reforço aos seus minguados vencimentos.

Acabou casando com a viúva. Era um amor velho, já havia se acostumado a ela. Esta, por sua vez, para não perder o costume, arranjou um amante em Brusque. Era ele sair para o emprego, pegava o Fiat que ganhara de presente e ia encontrar o outro na rodoviária. Uma vez por semana.

Começou a desconfiar quando ela lhe deu uma jaqueta de couro no aniversário. Disse que eram economias de quando trabalhava com a Avon. Certamente não se lembrou de que ele “já havia visto esse filme”.

Precisava de provas. Assim como havia corneado o antigo marido com ele, quem sabe se também não o estava passando pra trás. Antes de chegar ao cúmulo de mandar segui-la, resolveu deixar um gravador escondido no quarto. Será que ela se atreveria a trazer macho para seu “santo lar”? Vamos tentar... Qualquer evidência, levava o gravador para seu advogado e conseguia a separação numa boa. Adultério.

Não esperou muito. Numa sexta-feira, à noite, ao rodar o aparelho, viu que havia algo gravado:
– Castiguinho não! Eu não mereço. O que eu fiz pra ganhar castiguinho? – era uma voz grossa, fingindo indignação.
– Foi um menino malcriado. Vai ganhar caxtiguinho triplo.

Triplo? Com ele, nunca tinha chegado no triplo. Como seria? Desistiu de utilizar o material gravado. O juiz não ia entender essas intimidades.

* Escritor catarinense, autor de seis livros: cinco de crônicas e um de memórias.



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