Penso, logo desisto!
* Por
Clóvis Campêlo
Penso, logo desisto! A
paráfrase talvez defina o estágio final da maturação do desencanto. E é
controversa, já que a manutenção da vida exige persistência e não desistência.
Mas, nesse estágio,
talvez desista-se da dualidade, da necessidade de confrontar o que se é com o
que se quer ser. Finda a dualidade, finda-se a tensão e poderemos, então,
desfrutar simplesmente do ser, sem indagações ou angústias. Fruir a vida como a
vida realmente é.
Mas, se o paraíso é
uma realidade pronta desde o início, por que necessitaríamos de criar
antagonismos e sofrimentos? Que mania de perfeição é essa que nos faz sentirmo-nos
estranhos no ninho? Foi para isso que desenvolvemos a capacidade de pensar e a
memória? Em caso afirmativo, a felicidade estaria na involução, na regressão ao
útero materno?
Acho que nem Freud
explica! Mas, mesmo assim, arisco-me a dizer que a incerteza do futuro (ou a
certeza da morte!) é o que nos assusta. Retrabalhar o mundo poderia significar
o adiamento da morte nossa de cada dia. Em um mundo perfeitamente recriado,
existiriam menos perigos e ameaças. Em tese, poderíamos viver mais um pouco, e
mesmo assim, sem nenhuma perspectiva de alcançarmos os patamares de Matusalém.
Determinados
mecanismos nos fogem ao controle. Daí, talvez, a necessidade de transferirmos
essa responsabilidade para uma força superior e clemente, capaz de
reconhecer-nos o direito de uma sobrevida. Afinal, desistimos mas não somos
bobos.
Não saberia dizer se
nascemos isentos de conhecimentos ou intenções, ou se já trazemos no chip do
nosso inconsciente um esboço das pretensões cósmicas dos nossos ancestrais.
Afinal, quem puxa aos seus não degenera!
Mas, do mesmo modo que
as nossa vidas dependem de mecanismos intrínsecos que nos fogem ao controle, o
mundo em que vivemos também segue essa regra. Querer mudá-lo pode significar
esbarrar nas impossibilidades da mudança, embora o pensamento não o entenda. E
não o entendendo o pensamento, sobram-nos as inquietações e as angústias. Daí a
exatidão do dito popular: “O que não tem remédio, remediado está!”.
O ímpeto da mudança,
portanto, assim como as angústias e inquietações consequentes, são inerentes ao
ser humano (penso). Não existem (ou sobrexistem) em outras espécies animais.
Entre esses, existe o olhar calmo da inefabilidade e do conformismo
inconsciente. Impossível, porém, para nós, humanos, segui-los. A lei da
evolução nos programou para contestar e planejar revoluções. Faz parte do nosso
jeito estúpido de ser. E assim sendo, só nos resta viver!
Recife, março de 2016
*
Poeta, jornalista e radialista.
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