Santa Cândida nos ajude
* Por
Marcelo Sguassábia
A Fazenda e Olaria
Santa Cândida, cuja sede foi recentemente tombada pelo patrimônio histórico,
protagonizou uma verdadeira saga empreendedora. Sua argila moldou os primeiros
e mais bem acabados santos do Brasil colônia, ornando os altares de milhares de
igrejas.
A manufatura santeira,
porém, minguou com o fim do ciclo do ouro. A chamada "bateção de
tijolo" passou a ser sua principal atividade produtiva dos idos do império
até o início dos anos 50, quando a construção civil se modernizou e o famoso
tijolão colonial foi sendo aos poucos substituído por produtos com maior
uniformidade dimensional. Abalada pela concorrência, a fazenda diversificou sua
linha cerâmica para telhas romanas, portuguesas e francesas, ganhando mercado
no Norte do Espírito Santo.
Embora não combine
muito com a tradição secular da Santa Cândida e sua olaria, a onda mística e as
múltiplas vertentes da medicina alternativa salvaram a propriedade da
bancarrota nos primeiros anos do novo milênio. De 2002 a 2007, quase 90% da
argila extraída era vendida a spas e clínicas de estética, para utilizações
terapêuticas de discutível eficácia. A coisa perdurou até o dia em que um certo
centro holístico no Mato Grosso do Sul adotou a ingestão do barro em seu rol de
procedimentos, provocando verminose coletiva e alçando a ocorrência ao primeiro
bloco do Jornal Nacional.
Igualmente mal
sucedida foi a tentativa de lançar no mercado educacional a chamada massa de
modelar orgânica. Embalada a vácuo, durante certo tempo a argila mantinha sua
consistência original. Mas bastavam 10 minutos de manuseio para que as crianças
tivessem em mãos toretes de cerâmica seca, causando choro e justificável ira
mirim. A fabricante ainda tentou acalmar os ânimos dos pais e professores,
publicando anúncios onde sugeriam que, se umedecida com água de dez em dez
minutos, a massinha poderia manter sua característica maleável. Os compradores,
porém, argumentavam que teriam de passar a vida molhando o barro seis vezes por
hora, e que assim não poderiam mais trabalhar ou dormir.
Novos e promissores
tempos chegaram para a Santa Cândida com a bendita crise hídrica. Digo bendita
porque, quando tudo parecia ruir, a redenção veio na forma de filtros de barro,
tão procurados quanto as cisternas e caixas d'água. Não vencia produzir para o
sudeste, e a lei da oferta e da procura fez os preços dispararem. Tanta bonança
financeira levou a família a apostar o que não tinha na quintuplicação da
capacidade produtiva, assumindo um financiamento homérico em banco privado. Mas
a chuva voltou forte e inundou a olaria de intimações judiciais, cobranças e
oficiais de justiça, o que acabou por levar a leilão quase 40 dos mais de 500
alqueires de terra. Ou de argila, melhor dizendo.
Saldadas as dívidas, a
Santa Cândida retorna agora aos seus fundamentos - ou ao core business, para
abusar do marquetês moderno. Após trezentos e tantos anos, reassume a atividade
santeira com ânimo renovado e modernas técnicas de produção. Diante da
desesperadora situação econômica do país, as encomendas vêm crescendo a um
ritmo de 25% ao mês, forçando a olaria a operar em três turnos, incluindo aí
sábados e domingos. São Judas Tadeu e Santa Edwiges lideram folgadamente o
ranking das imagens mais vendidas.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Apenas o santo das causas impossíveis e a santa dos endividados têm vez "desta vez".
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