quinta-feira, 24 de março de 2016

Santa Cândida nos ajude


* Por Marcelo Sguassábia


A Fazenda e Olaria Santa Cândida, cuja sede foi recentemente tombada pelo patrimônio histórico, protagonizou uma verdadeira saga empreendedora. Sua argila moldou os primeiros e mais bem acabados santos do Brasil colônia, ornando os altares de milhares de igrejas.

A manufatura santeira, porém, minguou com o fim do ciclo do ouro. A chamada "bateção de tijolo" passou a ser sua principal atividade produtiva dos idos do império até o início dos anos 50, quando a construção civil se modernizou e o famoso tijolão colonial foi sendo aos poucos substituído por produtos com maior uniformidade dimensional. Abalada pela concorrência, a fazenda diversificou sua linha cerâmica para telhas romanas, portuguesas e francesas, ganhando mercado no Norte do Espírito Santo.

Embora não combine muito com a tradição secular da Santa Cândida e sua olaria, a onda mística e as múltiplas vertentes da medicina alternativa salvaram a propriedade da bancarrota nos primeiros anos do novo milênio. De 2002 a 2007, quase 90% da argila extraída era vendida a spas e clínicas de estética, para utilizações terapêuticas de discutível eficácia. A coisa perdurou até o dia em que um certo centro holístico no Mato Grosso do Sul adotou a ingestão do barro em seu rol de procedimentos, provocando verminose coletiva e alçando a ocorrência ao primeiro bloco do Jornal Nacional.

Igualmente mal sucedida foi a tentativa de lançar no mercado educacional a chamada massa de modelar orgânica. Embalada a vácuo, durante certo tempo a argila mantinha sua consistência original. Mas bastavam 10 minutos de manuseio para que as crianças tivessem em mãos toretes de cerâmica seca, causando choro e justificável ira mirim. A fabricante ainda tentou acalmar os ânimos dos pais e professores, publicando anúncios onde sugeriam que, se umedecida com água de dez em dez minutos, a massinha poderia manter sua característica maleável. Os compradores, porém, argumentavam que teriam de passar a vida molhando o barro seis vezes por hora, e que assim não poderiam mais trabalhar ou dormir.

Novos e promissores tempos chegaram para a Santa Cândida com a bendita crise hídrica. Digo bendita porque, quando tudo parecia ruir, a redenção veio na forma de filtros de barro, tão procurados quanto as cisternas e caixas d'água. Não vencia produzir para o sudeste, e a lei da oferta e da procura fez os preços dispararem. Tanta bonança financeira levou a família a apostar o que não tinha na quintuplicação da capacidade produtiva, assumindo um financiamento homérico em banco privado. Mas a chuva voltou forte e inundou a olaria de intimações judiciais, cobranças e oficiais de justiça, o que acabou por levar a leilão quase 40 dos mais de 500 alqueires de terra. Ou de argila, melhor dizendo.

Saldadas as dívidas, a Santa Cândida retorna agora aos seus fundamentos - ou ao core business, para abusar do marquetês moderno. Após trezentos e tantos anos, reassume a atividade santeira com ânimo renovado e modernas técnicas de produção. Diante da desesperadora situação econômica do país, as encomendas vêm crescendo a um ritmo de 25% ao mês, forçando a olaria a operar em três turnos, incluindo aí sábados e domingos. São Judas Tadeu e Santa Edwiges lideram folgadamente o ranking das imagens mais vendidas.

* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).



Um comentário:

  1. Apenas o santo das causas impossíveis e a santa dos endividados têm vez "desta vez".

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