terça-feira, 29 de março de 2016

Na Itália dos meus sonhos II


* Por Adair Dittrich


Mesmo que muitos dias permanecido em Roma eu tivesse, impossível seria, nos detalhes, a tudo ver, de tudo impregnar-me e a tudo usufruir. Principalmente no que tange às obras de arte. Desfilam ante os nossos olhos intermináveis coleções de afrescos e pinturas, de pontes e mosaicos, de construções e esculturas de vários períodos históricos e das mais diferentes culturas.

Obrigatório para nós foi um giro pela Via Condotta, onde nos extasiamos com outro tipo de arte, mais efêmera, talvez, mas uma arte que para duas mulheres ali perdidas na velha Roma era o extremo da arte. A efêmera arte, tão ou mais sensual que as demais artes, a arte que desfila pelos salões e corredores mais elegantes do planeta. A arte que mistura pintura com poesia, arquitetura com dança, escultura com música, a arte da alta costura. Foi de êxtase mesmo este olhar para as vitrines das casas de moda que expõem coleções de vestidos longos e curtos, clássicos e modernos, à rigor ou de passeio, dos grandes costureiros como Armani, Dolce e Gabana, Versace ou Prada e mesmo Chanel.

E do profano partimos para o sagrado. Ver o Vaticano, conhecer o Vaticano, sentir o Vaticano, imiscuir-nos naquelas maravilhosas esculturas e painéis que o compõem.

E lá chegamos. Imagine-se a Praça de São Pedro a nossa frente com as estátuas, a Basílica e o conjunto arquitetônico todo que a rodeia.

Algo diferente e indefinível ali se sente. E a aglomeração humana é imensa e constante em todas as horas do dia, pois é lá que gira o mundo. Porque o ver e o sentir uma história a seus pés e ante os seus olhos não é algo referente a apenas uma religião. O clima interior de cada ser fará a sua própria descrição ao pisar em um palco tão impregnado das mais diversas histórias, tão carregado dos mais horripilantes e ou mais magníficos dramas. Pessoas das mais diversas crenças espalhadas pela terra pisam aquele sacro território. E em concentração e respeito.

Era verão. E não vimos o Papa que se encontrava em Castel Gandolfo, em férias.

E também não vimos a Capela Sistina. Desde um mil e novecentos e setenta e nove encontrava-se interditada para o famoso e polêmico restauro. Polêmico porque muitos entendiam e acreditavam que as pinturas originais eram escuras e na restauração brilhantes cores começaram a surgir.

As cores escuras, enegrecidas pelo tempo e pela fuligem que as velas de sebo expeliram durante alguns séculos deram lugar a um colorido e a uma luminosidade extasiantes. Diferente das velhas e conhecidas cores mostradas em fotos anteriores ao restauro.

Somente passados doze anos, quando lá outra vez estive, é que pude admirar aquele maravilhoso teto onde Michelangelo impregnou com suas tintas o seu Juízo Final, o Juízo Final conforme a concepção artística dele. Somente então é que pude admirar as obras de outros artistas que passaram seus pincéis carregados com as mais fulgurantes cores.

E mais ousamos. Subimos a escadaria em espiral, da Basílica, até a sua cúpula. Começo fácil, como fácil são todos os começos. Degraus largos, espaçosos, longos, mas à medida que se vai subindo mais íngreme o caminho vai se tornando, adelgaçando-se vão os degraus e aumentado vai a frequência dos movimentos respiratórios e dos batimentos cardíacos.

E ao longo da já íngreme subida íamos encontrando desistentes que daquele piso faziam os seus assentos.

Mas de imensa valia foi todo o esforço despendido para o lugar mais alto da cúpula ser alcançado. Deslumbrante a visão de quase toda a Roma.

Estando o Estado do Vaticano situado já em uma colina, imagine-se a altitude no alto da cúpula da Basílica. Imagine-se o alcance da visão e compreender-se-á como de lá se vê delinearem-se as outras sete colinas de Roma.

E depois seguir em rumo ao outro lado do Rio Tibre, conhecer a noite do Trastevere. O entardecer chegara. As sombras encompridavam-se naquele verão romano.

E, enquanto caminhávamos surge a nossa frente um hospital. Parecia que de dentro me chamavam. E entramos. Com meu italiano, trôpego à época, misturado ao latim, fiz-me entender. E conheci as suas diversas instalações. Um anestesista logo veio ser nosso cicerone. E muito conversamos. Trocamos ideias sobre as nossas técnicas e sobre nossos cursos e os nossos congressos. E deslumbrei-me com a aparelhagem de anestesia e com o centro cirúrgico como um todo. E o colega não foi econômico em suas explicações sobre o serviço de anestesia deles. E ele já conhecia, de congressos internacionais, alguns de meus mestres brasileiros.

E chegamos a um denominador comum sobre os nossos serviços de anestesia, que em nada diferem uns dos outros em qualquer parte do mundo. O que diverge um pouco é a tecnologia mais avançada de alguns centros mais sofisticados. A base, a ciência é uma só, a linguagem científica é una, não tem fronteiras.

Imagine-se a minha euforia com esta breve visita a um hospital onde saciei a minha ânsia e inspirei, depois de tantos dias, aquele ar, aquele cheiro de hospital que falta já me fazia. Vício, direis … talvez … talvez …

E o colega ainda nos mostrou o local da melhor pizza e do melhor vinho do Trastevere. Para onde fomos saciar a nossa fome, matar a nossa sede e ouvir as últimas canzonetas da noite romana.

* Médica e escritora.


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