domingo, 27 de março de 2016

A eterna espera da felicidade


* Por Fernando Mariz Masagão



Não sei ao certo por qual razão vou escrever sobre este tema, mas esta frase explodiu na minha cabeça ontem, em meio ao meu dia, no torvelinho da rotina. Pensei ter vislumbrado uma das facetas do mistério da vida. E neste momento, enquanto tento tirar ao meu espírito todos os sentimentos suscitados para devolvê-los ao mundo, tenho certeza de que o fiz. Tenho certeza, dado a inutilidade da descoberta. Todas as verdades sobre a condição humana são prisioneiras da mais completa inocuidade. Sem exceção, das mais vultosas às mais simples, como esta. E mesmo que um dia possamos conhecer a nossa alma em sua inteireza, de nada isso adiantará, impotente que somos perante nossa própria natureza. Mudamos ao sabor da história e da evolução de nossa espécie, nada consciente ou voluntário.

Mas hoje creio ser esta espera o motor da vida dos homens. Não é preciso maiores reflexões para constatar que a condição humana é triste. É triste porque é a condição animal e nós o sabemos, ou, pelo menos, sentimos. Um animal a quem é dado conhecer, criar, dominar e que, no entanto, vai estar para sempre condenado por este dado biológico. Nosso cóccix vai sempre nos lembrar da portentosa cauda que exibíamos por aí não faz muito.

Há também a imensa solidão de nossa espécie. A comunicação verdadeira é impossível, embora as tentativas sejam inevitáveis. Fazemos contatos, e isto é tudo. As almas, como disse Manuel Bandeira, são incomunicáveis. E já que as samambaias, as juritis, os automóveis, os rios, as antenas de TV e os ventos, as estrelas, as laminas de barbear, as nuvens e todo o mais também o são, nos sobra para conversar apenas nós mesmos e Deus. E vamos e venhamos, quem é que consegue se entender? Quem em sã consciência pode empinar o nariz e declarar: “eu sou senhor de mim, conheço todos os meandros de minha substância.” Estes são os mais iludidos. Quanto a Deus, bem... Deus cortou relações conosco desde que lhe furtamos a fruta. Ele sempre teve muito ciúme do seu pomar. Não foi por falta de aviso. É, enfim, uma solidão do caralho.

E teria sido bem menos sofrido se nós não tivéssemos a faculdade de conhecer. Jorge Luis Borges escreveu que só os animais são eternos pois não têm a consciência da morte. Mas os homens passam a vida ouvindo a morte sussurrar em seus ouvidos sua bela canção de amor. Amor eterno, de mulher pegajosa mesmo. Quem não tem, pelo menos, receio da morte? Eis uma idéia que não me agrada em nada.

Senão vejamos, um bicho, humilhado pela ciência impotente de sua condição, sozinho em meio a infinitude da Criação, sem ter certeza de nada a não ser de que vai desaparecer por completo e para todo o sempre. Só mesmo a esperança para permitir ao homem viver. Somos todos seus filhos. E hoje acredito que o homem é fundamentalmente bom porque capaz deste sentimento inefável que, quero crer, originou todos os outros. O que é o amor, a amizade, a coragem, a generosidade, as artes, as ciências, as religiões e as filosofias, senão matizes da esperança. Se nossa condição animal nos legou a violência, o egoísmo, o instinto de sobrevivência, nos legou também a inteligência – já que são nossas conformações biológicas (como o movimento de pinça que fazem nosso polegar e dedo indicador e o tamanho de nosso cérebro, entre outras causas) que nos permitiram pensar – e com esta ferramenta pudemos sobreviver, sobreviver ao mundo feroz que nos rodeia e a nós mesmos.
       
Tudo obra da esperança.

A vida é um desfile de desilusões, cada uma mais bonita e fotogênica que a outra. É uma sucessão de chateações e problemas como regra, temperada com pequenas e grandes felicidades, à guisa de exceção. A estirpe dos realizados é muito pequena entre os seis bilhões. A turma dos felizes, então, é menor ainda. E mesmo assim acordamos as sete da manhã e devotamos doze das dezesseis horas que passamos acordados fazendo algo que não estaríamos fazendo se nos fosse dado escolher, com o único intuito de ganhar dinheiro (a causa de todos os males modernos) para sustentarmos os filhos que irracionalmente condenamos à mesma pena. E que irão fazer o mesmo. Parece sina, e talvez seja mesmo expiação. Vai saber quem está certo. Católicos, judeus, espíritas, budista, islâmicos, Platão, ou eu?

Cristo, vítima que foi dos mesmos males comuns a todos os homens, nos ensinou o Pai-nosso, mas a Natureza nos deu a esperança. E com isso transformou a vida de todas as pessoas numa oração que só terá fim quando as preces forem atendidas, ou quando não pudermos mais esperar, que é, afinal, o tudo que nos resta por ora.

*Fernando Mariz Masagão é músico, dramaturgo, poeta e colaborador de publicações online sobre arte, com crônicas e críticas musicais. Guitarrista e vocalista de bandas de rock'n'roll, tem formação clássica vigorosa, em cursos de regência sinfônica, apreciação musical e instrumentação.   
     

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