Saudade da confusão boa
* Por
Luciano Siqueira
Diz Millor Fernandes
que uma das ironias da vida é quando o garoto cresce, torna-se adulto, arranja
emprego e conquista um salário, já não tem vontade de comprar um saco de
sessenta quilos de bombom.
De fato, na vida é
assim. Cada coisa a seu tempo, direcionando vontades, expectativas, prazeres ou
frustrações, via de regra condicionadas pelas circunstâncias. O gosto de
brincar o carnaval, por exemplo, em distintas dimensões e intensidades, ao
longo da vida.
O prazer ingênuo do
garoto, posto com o irmão e vizinhos do mesmo tope, entre adultos, num caminhão
ornamentado que o pai providenciara para o corso na avenida Marechal Deodoro,
em Natal. Depois, já adolescente, as excitantes matinês do Aero Clube; e, na
idade adulta, já no Recife, os bailes do Clube Náutico Capibaribe. Melhor ainda
no final dos anos setenta, em Olinda, a farra das troças improvisadas Traquinos
de Beré e Tá Rindo de quê?, precursoras do Sai na Marra – bloco do PCdoB que há
20 anos desfila pelas ladeiras da Marim dos Caetés, domingo à tarde.
Que terá levado um
tímido como esse que lhes escreve agora a empunhar o estandarte do bloco,
fazendo evoluções numa mesa de concreto do Bar Ecológico, na Praça da Preguiça,
e de lá despencar quase fraturando o cóccix? Certamente uma boa dose de
hidroxila na cuca e muita empolgação com a alegria geral.
Hoje, mais do que
antes, o carnaval atrai, contagia, entusiasma. Pelo menos em Olinda e no
Recife, cada vez mais uma festa multicolorida e irreverente, expressão genuína
das raízes, dos valores e das emoções do nosso povo, que ocupa democraticamente
um território livre de constrangimentos e a salvo da sanha dos negociantes da
folia. Aqui basta botar uma bermuda e sair à rua, dá-se de cara com o frevo, o
maracatu e tudo o mais que se escolha para revelar sentimentos reprimidos no
cotidiano da vida. Não precisa pagar, feito em Salvador e no Rio de Janeiro
para participar da “confusão boa”, no dizer da prefeita Luciana Santos.
Mas acontece que entre
o desejo e a possibilidade há uma distância razoável mediada pela inviabilidade
de ir às ruas na condição de simples folião. O cargo de vice-prefeito impõe
obrigações que tiram toda o tesão. Fazer-se acompanhar de seguranças e de
cerimonialistas, cumprir roteiro oficial, agüentar ébrios e outros nem tanto,
que insistem em tratar de política em plena algazarra. Melhor retirar-se com a
família para uma praia distante e se embevecer com caminhadas à beira-mar, boa
música e leitura leve. E retornar na quarta-feira de cinzas com disposição
redobrada para enfrentar o batente.
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Médico, escritor e político
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