domingo, 14 de fevereiro de 2016

Família, hein?


* Por Francisco Simões


Já ouvi diversos relatos de atitudes tomadas por familiares de pessoas idosas que eu considero desumanas. Conheço uns poucos casos e um deles bem recente que chegou ao meu conhecimento há alguns dias e eu vou contar aqui. Não darei os nomes reais porque não vem ao caso, mas afirmo que é verdade.

A referida senhora sobre quem falarei mora no Rio e fizemos amizade com ela há alguns anos. Soubemos depois que ela mora só e a única companhia que ela tem durante parte de alguns dias é de uma amiga mais nova que ela e que a ajuda nos afazeres de casa e outros.

Outro dia nós ligamos num domingo para a casa daquela senhora, mas só dava ocupado. Deixamos para voltar a telefonar no dia seguinte e o fato se repetiu diversas vezes, ou seja, só dava sinal de ocupado. Deduzimos que algo estranho se passava.

Antes, naquele mesmo dia, eu pedi ao amigo zelador do prédio em que tenho apartamento no Rio, em Ipanema, para que fosse até a casa dela se informar sobre o que se passava. Assim ele o fez na hora de almoço. Ao retornar a casa ele me telefonou pondo-me a par do que o zelador do prédio daquela senhora lhe informara.

O relato do amigo nos assustou. Disse ele: “Sr. Simões parece que a tal senhora está muito mal e foi internada numa clínica. Não sabem quando ela deve voltar para casa e nem se voltará”. Tomamos um susto e lamentamos muito. Nosso zelador, entretanto nos passou dois números de telefones celulares que seriam da outra senhora, bem mais nova e que costumava visitar a amiga e a ajudava naquele e em outros serviços.

À noite ao ligar para um dos dois celulares que nos haviam sido fornecidos, como ninguém atendesse, deixei entrar a secretária eletrônica do outro telefone e decidi deixar uma mensagem me identificando e pedindo que quem ouvisse aquilo me desse retorno logo que pudesse.

A senhora nossa amiga está com pouco mais de 80 anos. Pelo que descobrimos parece que ninguém da família a visitava o que é muito triste, mas infelizmente vem se tornando comum hoje em dia. Esquecem de que o tempo é implacável e que a vida nos leva a todos, ou quase todos, para a tal terceira idade.

Na manhã seguinte quando eu ainda tomava meu desjejum o telefone tocou. Minha idéia de deixar mensagem na secretária eletrônica do celular que me fora fornecido funcionou. Era a amiga daquela senhora que me retornava a ligação sem saber com quem falava. Quando me identifiquei ela logo se lembrou de que já me atendera antes.

Perguntei a ela o que realmente se passava com a outra senhora, a idosa, nossa amiga e dela também. Esta desmentiu a versão da doença grave e da internação em clínica. Afirmou para mim que como a tal senhora, em sua solidão, costumava sentir-se mal, o que já dissera a nós também, deve ter comentado isto com gente da própria família. Apenas uma suposição, mas que tinha coerência.

A seguir ela me garantiu que pessoa da família daquela senhora a internara num Asilo de velhos, certamente com a “ajuda” de algum profissional que teria fornecido laudo para justificar tal atitude. Também uma suposição, todavia que levava a um raciocínio correto. Para mim uma maldade como tantas eu já presenciei nesta minha longa vida. Se por um lado me assusta, por outro confio nos meus familiares.

A amiga da senhora idosa assumiu o trabalho que a outra fazia e me falou que a visitou no Asilo. Encontrou-a deprimida, chorando talvez seguindo mais rápido para um triste fim de vida. Se cães abandonados, recolhidos em locais que cuidam deles, mexem muito com meus sentimentos, imaginem como me sinto quando tomo conhecimento de seres humanos como que “jogados ao lixo” porque envelheceram.

Felizes dos que têm familiares que convivem muito bem com seus membros de mais idade e sabem reconhecer o que estes já fizeram por seus filhos e netos, entre outros familiares, e são agradecidos e generosos com aqueles que a vida ainda preserva mesmo em idades bem avançadas. Isto me arremete a uma palestra do Padre Fábio de Melo que tenho guardada em vídeo. Já a divulguei certa vez na internet.

Ele fala de uma maneira geral na “doce inutilidade da velhice”. Gosto muito desta expressão que ele usa. Cito isto porque tem tudo a ver com o assunto que abordo neste texto, com a história verdadeira que narro. Mais ao final Fábio de Melo diz: “Peço sempre a Deus que me mantenha quando velhinho junto com pessoas que me amem.”

“Se você quiser saber se o outro te ama de verdade é só saber se ele (ou ela) seria capaz de tolerar a sua inutilidade.” E ele termina com estas palavras: “Só o amor nos dá condições de tolerar o outro até o fim. Feliz daquele que tem ao fim da vida a graça de olhar nos olhos e ouvir a fala que diz – você não serve pra nada, mas eu não sei viver sem você.”

Eu fico imaginando como estarão os sentimentos daquela senhora, isolada do mundo exterior num Asilo tendo por companhia pessoas estranhas e que no comum somente a idade de todas as identifica e talvez as una ainda mais agora que se avizinha o Natal. É muito triste, gente amiga, muito triste mesmo.

Encerro deixando aqui o link que os levará ao vídeo do Pe. Fabio de Melo, apenas 5 minutos, de uma palestra das melhores que já ouvi dele. Entrem por:
http://www.youtube.com/watch?v=NNBdJ7crU2M

(15/dezembro/2015)

•      Jornalista, poeta e esc

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