Rhesus
* Por Daniel
Santos
De vez em quando, um deles aparece.
Traz sempre um sorrisinho de perversa assepsia e leva um de nós sem
explicações. Leva para nunca mais! Depois, gritos ao longe. E nos entreolhamos
em total desamparo.
Vem em dias incertos, passando a
flanela nos óculos de lentes muito polidas, enquanto nos espia do fundo da toca
de seus olhos sinistros. E escolhe o objeto de seu seqüestro, conforme fazia já
com nossos avós.
Assim, há várias gerações! Embora sem
respostas, sempre nos perguntamos por que nos querem e, só recentemente,
entendemos que nascemos já na clausura. Fazemos parte de um plano que
ignoramos!
Não, não vivemos por viver como tudo o
mais. Estamos aqui disponíveis, à mercê. E não é bom. Porque quem vai com eles
grita de dor, a ponto de ouvirmos daqui, na agonia de não sabermos o que
sucede.
Suplicamos socorro pelo olhar. Em vão! Muitos
se beneficiam do nosso martírio, parece. Impossível, por isso, qualquer
piedade. Aí, quando eles chegam, apertamos nossos filhotes contra o peito. E
aguardamos.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
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