Onde está a honestidade?
* Por
Mouzar Benedito
Ando me lembrando
muito da música de Chico Buarque em que um pai conta que o filho lhe traz
presentes todos os dias.
Um dia é um relógio,
outro dia um anel de ouro, bolsa, óculos de sol… “É o meu guri”, diz o pai
orgulhoso e ingênuo, que não sabe que o menino rouba.
É que se tornam cada
dia mais comuns notícias de meninos que roubam, fazem sequestros relâmpagos e,
além do dinheiro sacado em caixas eletrônicos, fazem um monte de compras em
shoppings com cartões das vítimas.
Será que os pais não
imaginam que aquilo que levam para casa, como tênis caros, roupas caríssimas,
joias e outras coisas são roubadas?
Será que sabem que os
filhos são ladrões e fecham os olhos para isso? Será que sabem e incentivam os
filhos a roubar?
Há alguns anos, duas
meninas de pouco mais de dez anos de idade foram pegas roubando, na Vila
Mariana, em São Paulo. A polícia chamou a mãe, que morava na periferia, e
entregou as meninas a ela.
Pouco tempo depois,
elas foram pegas novamente, roubando no mesmo bairro, e a mãe foi à delegacia,
chamada pela polícia. Lá, deu uma baita bronca nas meninas, dizendo que elas
eram burras por roubarem no mesmo lugar onde já foram pegas antes. Que seriam
facilmente reconhecidas etc.
Quer dizer: para ela,
as filhas serem ladras não era problema. O problema era que eram incompetentes
para roubar.
De vez em quando,
muito raramente, a gente vê mães indignadas quando descobrem que o filho rouba.
Vi na TV uma que ficou abaladíssima, tentou bater no moleque na delegacia,
esbravejando que ela e o marido trabalhavam pra burro pra dar uma vida decente
e uma educação adequada ao filho e ele se transformava num bandido.
Outros tempos e outros
lugares
Vim para São Paulo há
muito tempo. Na década de 1960, tinha o hábito de andar a pé, de madrugada,
pelas ruas vazias do centro. Nem me passava pela cabeça ser assaltado.
Numa época em que
morava na avenida 9 de Julho, às vezes ia a festas em bairros distantes,
voltava para casa de madrugada, depois de beber bastante, descia do ônibus no
centro e, sem dinheiro para um táxi, continuava o caminho a pé. Acontecia de
ficar com sono e cansado. Então parava pra cochilar. Sem medo nenhum.
Claro que já
aconteciam roubos, mas eram raros. Nunca comigo.
Algumas recessões
depois, desemprego, mudanças de conceitos e de comportamentos, a coisa foi
piorando.
Como jornalista, no
final dos anos 1980, soube de fatos que começaram a me provocar para escrever
um romance. Tinha até o nome na cabeça: “Pobres, porém perversos”. Trataria de
coisas como:
1) Numa época houve
muitas ocorrências de assalto a operários que saíam de madrugada para
trabalhar. Dinheiro? Não! Levaram suas marmitas! “Isso sim, é crime hediondo!
Roubar marmita de trabalhador pobre!?”, exclamei;
2) Vizinhos de um
conhecido meu, na Cidade Tiradentes, roubaram o tanquinho de lavar roupa que
ele tinha comprado dias antes. Ele sabia quem roubou, mas não podia ousar
denunciar;
3) Numa favela de
Osasco, um sujeito roubou o botijão de gás da vizinha. Ela reclamou e foi
ameaçada de morte;
4) Vi, pessoalmente,
uma mulher instruindo uma menina, sua filha, para roubar.
Paro por aqui, mas há
muito mais casos desse tipo. E não é só com pobres. Rapazes ricos foram presos
(e soltos logo em seguida – o delegado “compreendeu” o que faziam) assaltando
entregador de pizza. O filho de um
conhecido meu, da zona norte paulistana, foi cercado por um grupo de meninos de
classe média que lhe deram uma surra covarde e roubaram seu tênis. Soube depois
que era “diversão” deles. Faziam isso sempre.
Conclusão: a “crise
moral” era agravada pelo desemprego e pela pobreza, mas não era coisa só de
pobres. Ricos faziam a mesma coisa, sem necessidade, então eram piores.
Roubavam por prazer, não por necessidade. E eram sádicos.
Mesmo assim escrevi o
romance com o título imaginado, mas com outro conteúdo. Lembrei-me das
repúblicas e pensões em que morei, com outros jovens pobres. Era uma vida muito
dura e uma maneira de ajudar a sobreviver, em termos psicológicos, era um
sacanear o outro, com brincadeiras e safadezas nada igualáveis a essas coisas.
E tinha uma questão política por trás de tudo.
Volto ao tema do
início, mas com outra perspectiva, duas coisas positivas. Uma é de quando
estava em Assunção, no Paraguai, acho que em 1986.
Havia dois jornais
diários na cidade. Um custava duzentos guaranis e o outro, cem guaranis. Eu
comprava sempre o de duzentos, melhorzinho um pouco. Quem vendia eram meninos,
jornaleiros.
Um dia, peguei o
jornal de cem guaranis, por engano, dei duzentos pro menino e saí andando. Ele
correu atrás de mim para dar o troco. Fiquei espantado. No Brasil as coisas já
não estavam bem desse jeito. Trombadinhas já eram comuns em São Paulo. Lá, não.
Depois dessa compra de jornal, várias vezes, fingi esquecer o troco com meninos
que vendiam também tererê (chimarrão gelado), empanadas e outras coisas. TODOS
correram atrás de mim para dar o troco.
A outra lembrança é de
quando tinha uns doze anos de idade e fui passar uns dias numa cidade vizinha,
onde moravam meus avós.
Tinha uma quermesse
nesse lugar e, como não tinha que fazer nada lá, trabalhei ajudando um
conterrâneo meu que montou uma barraca de jogo de argola. Ganhei uma graninha.
Chegando em casa,
mostrei o dinheiro pra minha mãe, todo animado. Ela ficou intrigada,
perguntando onde consegui aquilo. Contei como ganhei o dinheiro, honestamente.
Apesar dela confiar em mim, fiquei sabendo que foi perguntar ao dono da
barraca, que confirmou tudo.
Aí eu é que pedi
explicação. Disse que se eu tivesse ganhado a grana com alguma mutreta e ela
não se importasse, estaria me incentivando a ser um marginal. Ia crescer
achando que roubar era normal.
Fiquei pasmo
Tudo isso que “falei”
foi para contar que, apesar de saber que o roubo parece ter virado coisa
normal, rotineira, seja para criança, jovem, adulto ou idoso, do sexo masculino
ou feminino, ainda me surpreendo com certos casos.
Há notícias de idosos
com cara de bons velhinhos que roubam apartamentos, meninas com cara de classe
média também… Isso sem contar coisas mais escabrosas, de jovem que mata o pai,
mãe, avô, avó ou o que for, para acelerar o recebimento de herança. Gente no
mínimo de classe média alta.
Essas coisas, cada vez
mais comuns e frequentes, me dão a impressão que quando certas pessoas precisam
de dinheiro nem passa pela cabeça delas ganhar algum honestamente. Partem logo
para o crime. Quando é só roubo, o roubado fica aliviado se não sofre
violência.
Geralmente ficamos
sabendo desses casos pelo noticiário, mas às vezes acontecem onde a gente está.
Enfim, aí vai um caso
que me surpreendeu, ainda mais porque eu estava presente quando aconteceu: há
alguns dias, estava na sala de espera de uma dentista no bairro de Pinheiros,
em São Paulo, entrou um homem com uma mochila e perguntou à recepcionista se
atendiam crianças ali. Ela respondeu que sim, ele falou que ia buscar o menino,
mas antes disso precisava passar no banheiro.
Usou o banheiro e
saiu. Pouco depois começou a entrar água na sala, vinda do banheiro. A
recepcionista foi ver, o sujeito tinha roubado a torneira…
Fiquei impressionado!
Mas contando isso para algumas pessoas, elas me contaram um monte de casos
semelhantes, com roubos desde lâmpadas até válvula de descarga.
Com certeza, vou
continuar me surpreendendo com as novidades na prática dos roubos, por mais que
espere sem-vergonhices de todos os tipos.
*
Jornalista
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