quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Importância de Florença nas artes e na cultura



A pandemia de peste bubônica que assolou a Europa em meados do século XIV (e, praticamente, todo o mundo conhecido de então) dizimou a maior parte dos habitantes de praticamente todas as cidades europeias. Muitas das pequenas localidades praticamente foram riscadas mapa, por falta de moradores que, ou fugiram enquanto puderam delas ou morreram todos, sem que restasse, sequer, quem sepultasse os mortos. Não se sabe, frise-se, se a peste negra atingiu também as Américas, que ainda nem haviam sido “descobertas”, mas que abrigavam prósperas civilizações. Alguns estudiosos supõem que sim. Outros tantos apostam que não. Fico com esta corrente. Se nenhum navegador europeu, ou asiático, aportou na região, certamente seus navios não transportaram para ela ratos pretos, carregados de pulgas, ambos infectados pelo agente patogênico causador da doença. Até prova em contrário (caso exista), portanto, pode-se afirmar, com razoável certeza, que as Américas foram poupadas da pandemia.

Duas das melhores descrições desse letal flagelo têm como foco o que ocorreu na cidade italiana de Florença. Foram feitas por dois autores de estilos e de formações diferentes em quase tudo e que só tiveram, praticamente, em comum o primeiro nome e os relatos da matança causada pela peste, embora divergissem quanto às cifras de mortos. Refiro-me ao florentino Giovanni Villani (cuja obra comentei em texto anterior), e a seu ilustre “xará”, Giovanni Boccaccio, natural da cidadezinha de Certaldo, que, a exemplo de Florença, situa-se, também, na região da Toscana, e que atualmente conta com população em torno de 16 mil habitantes. O primeiro foi historiador, autor do livro “Nova Crônica” (que não concluiu por ter morrido em conseqüência da peste, e que foi concluído por seu irmão Matteo e seu sobrinho Filippo). Já a obra do segundo é considerada um clássico da literatura de ficção, que foi, inclusive, popularizada pelo cinema, com um filme muito conhecido. Refiro-me a “Decamerão” (que no Brasil recebeu o título de “Príncipe Galleoto”, subtítulo da versão original no dialeto toscano). Boccaccio é considerado, com razão, o verdadeiro “pai” do Realismo na Literatura.

Destaco que, para melhor entendimento dos terríveis efeitos dessa pandemia numa localidade específica, deixando um pouco de lado sua abrangência mais ampla, ou seja, o restante da Europa, se faz necessária uma análise em separado, mesmo que superficial, de três “importâncias” distintas. Ou seja, explicar por que Florença era (e certamente ainda é) tão importante, não só nesse contexto, mas, sobretudo, nos aspectos tanto artísticos, quanto culturais. A seguir, é mister que se faça o mesmo em relação a Giovanni Boccaccio. E, claro, ao fim e ao cabo, tratar de sua obra-prima, o “Decamerão”. Hoje, meu foco será a capital e maior cidade da região da Toscana. Florença é, diga-se de passagem, também o nome da província italiana em que ela se situa.

Essa belíssima metrópole da Itália, uma das principais atrações turísticas do país, conta, atualmente, com uma população de mais de um milhão de habitantes em sua área metropolitana. Os habitantes de sua zona urbana beiram os 400 mil. Entre tantas outras coisas, é considerada o berço do Renascimento italiano. Nela nasceram, entre tantas personalidades, figuras como o poeta Dante Alighieri (autor da “Divina Comédia”) e Cimabue (o último grande pintor do país a seguir a tradição bizantina, responsável, entre outras coisas, por revelar a genialidade de Giotto). Conta com diversas e maravilhosas catedrais de época. É cenário de obras dos mais célebres artistas do Renascimento, como Donatello, Botticcelli, Rafael Sanzio e, principalmente, Leonardo da Vinci e Michelangelo. Ah, e sem esquecer de Giotto.

Florença, que prima pelo bom gosto e elegância, foi, durante muito tempo, considerada a capital mundial da moda. Foi, também, como destaquei em texto anterior, a terra natal de nada menos que seis papas. É natural, portanto, que quando atingida por uma catastrófica epidemia, como a de peste bubônica, ocorrida em meados do século XIV, haja curiosidade especial sobre como sua população reagiu à tragédia e quantas pessoas o flagelo dizimou. As estimativas, feitas pelos dois “Giovannis”, a esse respeito, são extremamente diferentes. O Villani, historiador, foi moderado ao estimar o número de florentinos que morreram em decorrência da doença. Citou 50 mil pessoas (cifra que, ainda assim, considerei exagerada). Já o outro Giovanni, o Boccaccio, o ficcionista, não se fez de rogado. Dobrou o número de mortos estimado por seu “xará”. Afirmou que estes foram cem mil. Duvido que chegou a tanto!

Afinal, paciente leitor, quem estava certo? Villani? Boccaccio? Ou nenhum dos dois? Como saber? Não vejo como. O fato é que os florentinos tiveram garra e criatividade para, debelada a epidemia na cidade, trabalharem e fazerem de Florença o que ela é hoje. Ou seja, um dos lugares do mundo mais dignos de se visitar e, de fato, mais visitados, entre os tantos pontos turísticos que há por aí. Por isso é importante trazer à baila o que aconteceu ali, principalmente entre 1348 e 1352, nas visões, em especial, do historiador Giovanni Villani (como já fiz) e do ficcionista Giovanni Boccacio (como me proponho a fazer na sequência).

Boa leitura.


O Editor.

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