Plena
satisfação
* Por Daniel
Santos
Não há como caber dentro de um
quarto-e-sala. Tivesse mulher e filhos, faltaria espaço. Sozinho, e tamanha a
solidão, se sentia igualmente emparedado. Assim, através da janela, escapuliu à
noite já em vigor.
O céu rebrilhava de fausto sobre o
fundo de veludo que acomoda mistérios.
Tudo atraía para as incógnitas, embora logo abaixo a cidade, imperativa de
tanta realidade, consagrasse o óbvio – seu cotidiano.
Acendeu o cigarro, apesar da tosse
renitente, e viu a fumaça evolar numa espiral de sugestões: que a seguisse. Sua
língua ganhou, então, elasticidade, atraída pelo cintilar de estrelas que
atiçavam sua fome.
Agora, a solidão mais arriava. Sentiu a
esmagá-lo a pressão de uma metamorfose e, quase agachado, coaxou! Surpreso,
coaxou de novo, enquanto as pernas ganhavam poder de impulso. Mas não, não
saltou.
Deu um piparote na guimba e cuspiu sua
perplexidade. Depois, a janta. Estendeu a língua, pegou uma estrela e comeu.
Estendeu a língua pegou outra estrela e comeu, e outra e outra ... até a plena
satisfação.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Sapos viram príncipes e príncipes viram sapo. E comem estrelas.
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