Boa noite!
* Por
Evelyne Furtado
Largou o livro e
levantou do sofá às pressas para terminar o jantar. O marido e os dois filhos
adolescentes chegariam às dezenove horas e contavam com a mesa posta.
Conversariam sobre o
dia. Na verdade a filha não andava falando muito ultimamente e isso a
inquietava. Aguardava a oportunidade certa para abordá-la. Seria algum
namorado? Uma menina bonita e inteligente deveria ter uma legião de
interessados.
Lembrou-se de como se
sentia na idade dela em relação aos rapazes e seu rosto adquiriu um ar
travesso. Tentaria conversar na primeira
ocasião em que a menina ficasse longe do computador por mais de trinta minutos.
O filho, ao contrário,
falaria entusiasmado sobre a faculdade. As novas ideias, os professores e os
colegas eram motivos de rasgados elogios
e algumas críticas, até que o celular acusasse a primeira mensagem. Daí para
frente ninguém mais em casa conseguiria manter um diálogo de mais de duas frases com ele até o café da
manhã.
O marido, coitado,
chegava sempre exausto. Rosto e postura revelavam seu cansaço. Caprichar no
jantar era uma maneira de confortá-lo. Salada, sopa e um bom bife acebolado com
arroz soltinho. Comida caseira como ele gostava e só ela sabia fazer.
Foi uma luta aprender.
Ela tinha certeza que não tinha talento para cozinhar. Era estudiosa e
ambiciosa. Começou uma carreira que prometia ser brilhante quando o conheceu e apaixonou-se
perdidamente. Mudou de cidade e achou a felicidade no lar.
Encontraria uma
maneira de falar com ele sobre a viagem no próximo feriadão. Só os dois. Afinal
os filhos já tinham idade para passar três ou quatro dias sozinhos.
Enquanto colocava a louça
da máquina pensou que ninguém havia reparado na nova cor do cabelo. Tanto
dinheiro gasto nas luzes! O cabeleireiro disse que ela havia rejuvenescido dez
anos. Como alguém remoçava dez anos e a família não nota? Talvez fosse por
causa da iluminação da cozinha. Às vezes ela sentia um escuro na alma naquela
hora do dia ali. No quarto ele perceberia. Com esperança terminou as tarefas
domésticas e foi tomar um banho.
A água descia sobre
seu corpo preparando-o para a noite que ela idealizava há algum tempo. A touca
de plástico protegia os cabelos. A cabeça vagava entre a tarde no salão, a
viagem à praia e o marido já de banho tomado ainda trabalhando no notebook. Não
o deixavam em paz, coitado.
Após o banho, deu uma
passadinha nos quartos dos filhos, mas sequer foi notada. A filha digitava um
trabalho da faculdade. O filho dava risadas com amigos que ela não conhecia em
conversas através do celular.
Ao entrar no seu
quarto criou ânimo para conversar com o marido. Aproximou-se e ensaiou um
afago. Ele pressentiu e interrompeu seu gesto com o melhor sorriso que pode
esboçar. Estava terminando um relatório. Teria que enviar por e-mail até a
meia-noite.
Não o incomodaria.
Estava ela, também, cansada e subitamente vazia. Vazia e seca. Vazia e triste
como o verso do poema que lia antes de preparar o jantar e não lhe saíra da
cabeça desde então. "Senhor, a noite veio e a alma é vil" dizia o
poeta em uma prece.
Adormeceu com a
certeza de que na manhã seguinte aceitaria o convite para trabalhar em uma
editora onde uma amiga exercia um cargo de gerência e estava precisando de uma
assistente, mas antes compraria um computador para pagar com o primeiro
salário.
*
Poetisa e cronista de Natal/RN
Excluída pelo analfabetismo digital? Ou o pior: a família não quer a companhia dela.
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