sábado, 5 de dezembro de 2015

Um passeio pela História do Brasil


* Por Américo Jacobina Lacombe


Vamos iniciar um estudo sumário de nosso Império, longo período de 67 anos (coisa que no nosso hemisfério é espantosa e merece este adjetivo longo). Foi durante esse período que o Brasil adquiriu ou fixou alguns traços característicos de sua fisionomia política e social. Não será desinteressante, se conseguirmos apreender a origem de algumas destas virtudes ou defeitos.

Devemos começar pelo estudo dos dois imperadores. O regime, por mais que se queira complicar, é sempre - mais ou menos - o seu chefe. Numa monarquia - em que a pessoa desse chefe “era inviolável e sagrada”, na fórmula constitucional, - e num povo naturalmente dócil e entusiasta, como o brasileiro - o prestígio e a influência do chefe eram incontrastáveis.

O primeiro imperador, já vimos por um retrato moral fidelíssimo, de autoria de Mrs. Graham, era dotado das mais altas e nobres qualidades, mas sem estarem polidas, quer pela experiência quer pela educação. Em todos os grandes momentos de seu reinado portou-se com uma nobreza e um desprendimento excepcionais. Mas, no quotidiano do governo, seu temperamento fundamentalmente autoritário e vulcânico não se afez às funções restritas do reinar do regime constitucional. De sua queda, após um longo declínio na popularidade, ficou, no espírito público, uma incompreensão que só recentemente se está desfazendo. De sua queda, após um longo declínio na popularidade, ficou, no espírito público, uma incompreensão que só recentemente se está desfazendo. Quando em 1862 se inaugurou a estátua que se ergue na Praça Tiradentes, muitos brasileiros julgaram incompatível com o brio nacionalista, homenagear o que tão injustamente qualificaram: “a mentira de bronze”.

José Bonifácio de Andrada e Silva, um dos homens mais sábios do tempo, e que o conhecera tão intimamente, sofrera-lhe as asperezas do temperamento e curtira, por ordem sua, longo e aborrecido exílio, após haver dele dito coisas bem pouco amáveis, com ele se reconciliou de maneira completa, tão completa que não hesitou em pregar a sua volta ao trono brasileiro, para salvar a nação da anarquia em que se despenhava na regência. Não poderá haver mais eloqüente testemunho de sua superioridade.

O filho era, em tudo, a antítese do pai. Era, exatamente o homem das virtudes da continuidade e da perseverança, das qualidades discretas e que acabam por surgir e brilhar iniludivelmente através do tempo. Menino triste, criado sem nenhum contato com qualquer membro das numerosas casas reais a que pertencia - e eram as maiores e mais importantes – guardou sempre, por toda a vida, um tom meio desconfiado de sua situação de superioridade perante a sociedade. Naturalmente belo e distinto, com uma majestade natural que impressionou a todos que com ele tiveram contato, nunca se preocupou com a propaganda do regime que encarnava sozinho entre nós. Nem sequer em resguardá-lo. Timbrou em não ter cortesãos, nem panegiristas oficiais. Chegou ao estremo de se declarar admirador da forma republicana dos Estados-Unidos do que nas monarquias européias, em que desagradava os crentes da etiqueta e do extremismo monárquico. Chegou a ter votos para presidente dos Estados-Unidos. Numa fé de ofício, por ele escrita, curioso documento publicado após sua morte, há referências, aliás exatíssimas, a todos os problemas administrativos e políticos do Brasil; não há uma palavra sequer sobre a forma de governo ou sobre a dinastia. Essa atitude terá sido favorável à conservação da singularidade da forma na América, ou terá sido fatal à sua manutenção? Parece-nos cedo para um julgamento definitivo. A verdade é que sob esse regime evitamos a instabilidade e as revoluções. Não foram elas uma mal privativo das repúblicas americanas, que realmente tanto sofreram com a crise da autoridade. Foi um mal do tempo. A França, no espaço de um século, mudou dez vezes de governo.

Mesmo a grande república do norte não conseguiu resolver o problema abolicionista sem a maior das guerras civis do mundo.

Nós gozamos quase meio século de ordem, de paz. Resolvemos os mesmos problemas sem lutas. Permitam-nos que nos orgulhemos de nossa solução e de nossos homens. Durante o regime imperial, veio a dizer muitos anos após um grande estadista da República “o país cresceu enormemente”. E comenta: “Pela ação do Imperador? Não. Pelo desenvolvimento espontâneo da nossa nacionalidade, mas, sem dúvida nenhuma, debaixo da influência e com a colaboração ativa do Imperador. Constitucionalmente, essa colaboração não era nada exemplar.

Politicamente, errou muito, mas, social e nacionalmente, foi um alto padrão de moralidade, um fanal penetrante que brilhava dos cimos do poder, exercendo, com a vigilância da sua luz, quer sobre a administração, quer sobre o estado geral dos costumes, uma ação incalculavelmente saneadora. Sem algumas virtudes notáveis não seria possível exercitar função tão útil” (Rui Barbosa).

(Trecho de “Um Passeio Pela História do Brasil” - Quatro conferências proferidas na SOCIEDADE BRASILEIRA DE CULTURA INGLESA, em 1942 por Américo Jacobina Lacombe).


* Professor e historiador, membro da Academia Brasileira de Letras.

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