Estado de saúde e estado de nutrição
* Por
Antonio da Silva Melo
Estamos habituados a
admirar os povos nórdicos como especialmente sadios e robustos, certamente
devido ao seu porte elevado, ao peso e ao volume do seu corpo. É provável que a
sua vida fácil e regular de trabalho, a sua alimentação abundante, as medidas de
higiene, os recursos empregados para evitar e combater doenças e infecções, a
existência cercada de conforto e proteção sejam responsáveis por tais
resultados, sobretudo evidentes na redução da mortalidade infantil e na
sobrevivência do adulto até idades mais avançadas. Se isso é verdade, porém,
não constitui prova de que estejamos nos tornando mais sadios, mais robustos,
mais longevos ou o nosso organismo mais resistente a moléstias e à velhice. O
que está acontecendo é havermos aprendido a aproveitar melhor o nosso
patrimônio vital, preservando-o de ataques e malefícios prematuros. Mas, apesar
disso ou justamente por isso, devemos estar perdendo terreno, com mostram a
deteriorização dos nossos dentes e a nossa propensão às doenças degenerativas,
cada vez mais graves e generalizadas. Nesse sentido, é preciso considerar
também que o progresso da humanidade deve estar operando como uma força de
seleção negativa, pois permite ou até favorece a sobrevivência de indivíduos
fracos, doentes, inferiores. O pior, no entanto, é que as guerras, com os
cataclismos que as acompanham, destroem principalmente os melhores elementos,
os mais sadios e capazes, os moços, os resistentes, dos quais mais se podia
esperar em benefício do ser humano e garantia da sua hereditariedade. Já
dissemos que o número de pessoas que morrem velhas tem aumentado, mas a vida
não se está tornando mais longa, antes mais precária, pois precisamos viver à
custa de cuidados e paliativos. A questão foi por nós estudada anteriormente,
quando comparamos a nossa maneira de viver atual à do herdeiro perdulário que
dilapida a fortuna recebida. Precisamos dar mais atenção à questão, porque a
moderna ciência de nutrição tem chegado a conclusões diferentes, admitindo que
as chamadas classes superiores são mais sadias, mais resistentes, de estatura
mais elevada e de vida mais longa, justamente graças à alimentação de que se
serve e que é mais abundante, sobretudo mais rica em substâncias protéicas.
Dessa maneira, tem-se chegado à conclusão de que as albuminas, principalmente
as de origem animal, decidem do progresso dos povos, havendo relação direta
entre o consumo de albuminas e o desenvolvimento das nações. Foi a essa opinião
que chegaram numerosas autores, baseados em observações feitas através de todo
o mundo e estudos experimentais realizados em diversos centros universitários.
"O uso da carne fez da Inglaterra a governante do mundo durante 100 anos,
enquanto ruíam as dinastias que comiam arroz." Por essas e razões
idênticas, tem-se concluído que os povos que vivem de alimentação pobre em
proteínas, mormente proteínas animais, não possuem a capacidade física e
intelectual dos que usam abundantemente tal alimento. Diversas publicações têm
procurado mostrar que o nível de vida e o progresso das nações elevam-se paralelamente
ao aumento do consumo de carne pela população. Mas, certamente, tal conclusão
não está muito certa, porque, se fosse assim, deveriam ter a Nova Zelândia, a
Austrália, a Argentina, o Uruguai e outros países preponderantemente carnívoros
a liderança do mundo, pelo menos, proporcionalmente, elevada representação em
certames internacionais, que esportivos, quer culturais. O papel das proteínas
é de tal ordem que já estão fixadas, cientificamente, as quotas mínimas, abaixo
das quais não poderá o organismo humano funcionar convenientemente. Isso se
tornou verdadeiro dogma científico, estabelecendo as quotas necessárias e
invioláveis, que necessitam ser usadas pelas populações. Já analisamos
minuciosamente a questão, mostrando haver em tudo isso muito exagero, pois
existem outras observações demonstrando que quotas muito mais baixas do que
essas consideradas indispensáveis podem manter o equilíbrio protéico, mesmo
quando o organismo realiza trabalho de grande intensidade. Balanços dessa
natureza têm sido realizados em países orientais, especialmente no Japão, onde
os coolies demonstram grande capacidade de trabalho e grande resistência
física, apesar da sobriedade da sua alimentação, constituída preponderantemente
de produtos vegetais. O problema precisa ser investigado ainda com maior rigor,
podendo talvez o nosso sertanejo fornecer elementos de valor para a sua
solução. O que se torna necessário é realizar a investigação em ambiente
apropriado, na zona em que o indivíduo vive, dentro das condições normais da
sua existência, sendo que o problema assim estabelecido comporta fácil solução,
pois pode ser resolvido pela simples dosagem do azoto urinário, feita
seguidamente durante prolongados espaços de tempo.
Nas Olimpíadas de 1948
foram feitas análises dos alimentos usados por 28 competidores, pertencentes a
oito nacionalidades diferentes, que mostraram ser a quota de calorias usadas
diariamente pelos atletas menor que a da última Olimpíada de Berlim. Um
mexicano consumia apenas 2.100 calorias por dia, enquanto um seu competidor
inglês 4.600! Digna de menção é uma observação de McCay, realizada em alunos e
empregados de um colégio de Calcutá, baseada na dosagem do azoto total
eliminado diariamente pela urina. Ele encontrou uma média de quase seis gramas
diários, o que corresponde a uma quota de proteínas de menos de 40 gramas,
portanto, muito mais baixa que a consumida por europeus e norte-americanos.
Apesar disso, como relata o autor, as pessoas examinadas estavam no gozo de
perfeita saúde. Em capítulo anterior, citamos muitas observações semelhantes,
em algumas das quais as proteínas usadas eram de procedência vegetal. Mas, no
caso presente, tratando-se sobretudo de estudantes e universitários, informa o
autor que muitos eram dos melhores das classes! É possível que razões
psicológicas tenham representado aí o seu papel, como expusemos em outra
publicação, estudando os motivos que habitualmente levam ao vegetarismo. Para
mostrar quanto são deficientes as investigações experimentais sobre o consumo
de proteínas e seus ácidos aminados, devemos citar ainda um exemplo, de data
recente. De há muito, ficara provado que o valor nutritivo das proteínas varia
de acordo com a sua procedência, isto é, de acordo com a qualidade e quantidade
dos seus ácidos aminados, como ficou demonstrado posteriormente. O critério
para tal julgamento é baseado na percentagem de retenção azotada, que varia de
acordo com as diversas albuminas. O índice de retenção fornece o valor
biológico de cada uma delas. Nessas condições, as proteínas do ovo possuem um
valor biológico de 97, enquanto não passam o da soja e do bife,
respectivamente, de 81 a 84. A conseqüência é das albuminas de alto valor
biológico condicionarem desenvolvimento mais rápido do organismo animal, como
acontece, por exemplo, com o ovo, sob esse ponto de vista muito superior à
carne de porco. O fato pode ser explicado pela grande quantidade de cistina e
metionina que ele contém, podendo tais ácidos aminados, adicionados à carne de
porco, produzir efeitos idênticos aos obtidos pelo próprio ovo. As coisas
estavam nesse pé quando Hess e seus colaboradores, em 1948, verificaram que
duas amostras de proteína de ovo, preparadas por técnicas diferentes, forneciam
resultados desiguais, produzindo variações de até 50%, quanto ao seu efeito
sobre o desenvolvimento do organismo animal. A análise das amostras revelou,
porém, não conterem elas a mesma proporção de ácidos aminados, havendo falta de
cisteína em uma delas. Mas, quando esta foi enriquecida com tal substância, em
proporção idêntica à da outra amostra, os resultados obtidos não melhoraram!
Diante disso, Hess concluiu deverem existir ainda fatores desconhecidos, cujo
papel é de importância no valor nutritivo das proteínas. Era a confirmação do
que já havia sido estabelecido por Zucker e Bird, em tempos também muito
recentes.
Um fato que não
comporta discussão é de que, ao lado das doenças, constituem as insuficiências
nutritivas fatores capazes de muito afetar a vitalidade do ser humano e dos
animais. Elas podem alterar a sua saúde, diminuir a sua capacidade de
resistência, afetar o trabalho dos seus órgãos, prejudicando a constituição
física, a extensão da vida, o grau de fecundidade, a qualidade dos produtos de
reprodução.
(Nordeste brasileiro,
1953).
*
Médico, professor e ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras.
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